Walter Salles seduz nova geração

Diretor faz palestra no Rio para jovens aspirantes a cineastas que vão filmar nas favelas a partir de julho

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Cacau Amaral veio de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Luciano Vidigal, do Morro do Vidigal, na zona sul. Wagner Novais, da Taquara, bairro da zona oeste. Todos queriam ouvir Walter Salles falar sobre o seu cinema, e o cinema em que acredita. Eles são diretores de três dos episódios que irão compor Cinco Vezes Favela, Agora por Nós Mesmos. Carregam a responsabilidade de fazer parte do "primeiro filme totalmente realizado por moradores de favelas cariocas". O idealizador do projeto é Cacá Diegues, um dos cinco estudantes universitários e aspirantes a cineastas que dirigiram os filmetes de Cinco Vezes Favela, longa de 1961 que trazia a visão que aquela geração tinha das comunidades de então - e que é considerado marco do Cinema Novo. "Eles trazem a experiência pessoal, são porta-vozes deles mesmos. E chegam muito mais bem preparados, porque de lá para cá o cinema avançou muito", diz Cacá, orgulhoso. Além de Walter Salles, Cacá já havia convidado seu irmão, o documentarista João Moreira Salles, além de Nelson Pereira dos Santos, Fernando Meirelles, Daniel Filho e Cesar Charlone para falar de suas experiências e preferências a candidatos a diretores, atores, técnicos de som, fotógrafos e diretores de arte vindos de áreas pobres. Selecionados entre 568 inscritos, 208 jovens participam de oficinas desde abril, para aprender sobre diferentes aspectos desse ofício "de gente obsessiva", nas palavras de Salles. Última da série, a palestra do diretor de Central do Brasil, na noite de terça-feira, foi a mais longa e mais concorrida. Na sala na sede da RioFilme, na zona sul, cerca de 200 pessoas se espremiam para ouvi-lo e lhe fazer perguntas. Faltou cadeira e algumas assistiam em pé mesmo. Mesmo gripado, Salles falou por três horas - foi embora às 22 horas, depois de autografar DVDs e receber roteiros. Após mostrar trechos de filmes que considera fundamentais, deu dicas preciosas para quem está começando: definir o que se quer dizer com o filme bem no início da produção, não exagerar no número de personagens, não ultrapassar nas cenas com música, trabalhar bastante com os atores antes de começar a gravar... "Os bons filmes são aqueles em que se resolve muito cedo o que eles deveriam ser e o que não deveriam ser. É preciso saber escolher o não, o silêncio, o momento do close", ensinou, antes de mostrar um filme "bem careta", Sinhá Moça (1953), de Tom Payne, e outros que romperam com aquela estética nas décadas seguintes, e que lhe ensinaram "coisas do mundo que não sabia": Vidas Secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos, São Paulo Sociedade Anônima (1964), de Luiz Carlos Person, Memórias do Subdesenvolvimento (1968), de Tomás Gutiérrez Alea, chegando a diretores como Beto Brant, o argentino Pablo Trapero, o chinês Jia Zhank-Ke, o franco-tunisiano Abdellatif Kechiche e o americano Paul Thomas Anderson. São referências que os "meninos" já tinham. Eles vêm trabalhando com cinema de alguma forma. Cria do Nós do Morro, Luciano Vidigal, de 29 anos, é ator de filmes como Cidade dos Homens e Proibido Proibir. Agora, vai dirigir Concerto para Violino, a história de três crianças criadas numa mesma comunidade que prometem ser amigas para sempre, mas, quando adultos, percebem que seus destinos não seguiram o mesmo traçado. Luciana Bezerra, de 34, uma das coordenadoras do Nós do Morro e diretora de três curtas, escreveu o argumento e dirigirá Acende a Luz, que se passa num morro na véspera do Natal, durante um blecaute. Luciano sente o peso de representar os "sem-voz". Mas relativiza: "Qualquer conceito é ruim. Não estamos fazendo cinema da favela, e sim cinema", esclarece. Ele percebe que as pessoas de seu convívio querem ver na tela "o que ainda não foi mostrado" sobre as favelas - espaços que, de 1961 para cá, se transformaram de forma indelével e, hoje, estão no centro das discussões sobre a cidade. A pressão é ainda maior quando cineastas como Ruy Guerra e Fernando Meirelles lhes dizem que eles têm de inventar "uma nova gramática cinematográfica". Para Luciana, só o fato de Cinco Vezes Favela tê-los como realizadores já é a grande novidade. "Somos os protagonistas dessa história!", comemora. "Mas você não pode esperar que um filme vá redimir toda a história da favela." Autor de um curta, Cadu Barcelos, de 22 anos, integrante do Observatório das Favelas, do Complexo da Maré, bolou o argumento de Deixa Voar, sobre um adolescente cuja pipa cai numa favela dominada por facção criminosa rival. Vai dirigir também. Ele acredita que o frescor está em "se mostrar o ser humano, e ele está em qualquer lugar, e também na favela". As opiniões são convergentes muitas vezes, e divergentes outras tantas. Eles filosofam bastante entre as aulas. O processo vem de 2007, quando tiveram início as oficinas de roteiro. As filmagens começam em julho. Esta é a fase da escolha de elenco e de locações. Sobre elenco e locações também falou Walter Salles. A plateia pôde conhecer um pouquinho da feitura de Linha de Passe (2008), Diários de Motocicleta (2004), Abril Despedaçado (2001), Central do Brasil (1998), Terra Estrangeira (1996) e Socorro Nobre (1995). Para eles, o mais importante, no entanto, foram as lições de cinema - as diretas e as deixadas nas entrelinhas. "Cinema é sobre aquilo que fica travado na garganta, o que não pode deixar de ser dito", ele sentenciou, no início da palestra em que citaria Kiarostami, Godard e Hitchcock. Compenetrados, os alunos faziam anotações e comentários entre si, concordando com a cabeça com quase tudo que era dito. Ao fim, aplaudiram Salles com grande entusiasmo. Ele retribuiu, prometendo, no futuro, ser plateia deles: "Vou ficar na fila para ver o filme."

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