Para se chegar aos bastidores do desfile da Chanel no Gran Palais na terça, durante a Semana de Moda de Paris Primavera Verão 2012 2013, era preciso passar por uma arraia gigante, muito coral e uma concha digna de Ziegfeld, e então entrar num túnel do amor coberto de bolhas de plástico. Mas ali estava ele, do outro lado, vestindo um terno cinza e uma camisa levemente rosada, com a cabeça branca como a neve.Ainda bem que Karl Lagerfeld não perde tempo. As modelos da Chanel já estavam em fila, uma coluna de ternos cor de marfim e vestidos de superfícies misteriosamente reluzentes que era seguida por peças de um rosa amarelado, com pérolas gotejando seus penteados."Não teremos joias nesta temporada, apenas pérolas", disse Lagerfeld no seu ritmo acelerado. "E tenho um novo corte de terno. Freja!" Freja Beha Erichsen, de cabelo molhado armado num coque, se voltou para nós. A saia de algodão cor de marfim que ela usava chegava quase a cobrir os joelhos, e o casaco simples e justo tinha lapelas de couro de luva para combinar com o bustiê. Nos pés, botas prateadas de salto baixo."Nada de tranças e correntes!", afirma Lagerfeld. O efeito reluzente vinha de várias fontes diferentes, incluindo camadas de madrepérola bordadas nas extremidades de um casaco cor de gelo usado por Daphne Groeneveld sobre um vestido da mesma cor. Lagerfeld apontou para o casaco folgado de Anja Rubik e sua saia macia, com uma pequena linha preta descrevendo um zigue-zague pela superfície do tecido muito leve, confeccionado com fibra de vidro.Basta dizer que o desfile teve de tudo, desde materiais inovadores até estampas plumadas em chifon, passando por casacos com gravatas formados pelo revestimento. ("A ideia é estúpida", enfatizou Lagerfeld, dando de ombros, "mas ideias estúpidas podem ser boas ideias.") Acima de tudo, o desfile deu a impressão de não ter parado no tempo. As formas apresentadas foram ágeis e jovens, adequadas para situações reais, e isto é realmente tudo o que importa.Alguns dos melhores desfiles de Paris transmitiram uma atitude semelhante. O da Lanvin, com suas linhas esguias e peças avulsas; o de Junya Watanabe, com seus capotes leves de aparência moderna; o de Stella McCartney, com seus vestidos esportivos. Mas um número surpreendente de coleções foi ridiculamente pomposo, como se os seus estilistas tivessem dado o braço a torcer à H&M ou quisessem ver suas roupas numa revista de celebridades.Valentino. No desfile da Valentino, Maria Grazia Chiuri e Pier Paolo Piccioli abriram com um doce vestido diurno de algodão em macramé e renda, mas logo alternou para as peças destinadas ao tapete vermelho, sem variar muito nos formatos. A outra novidade foram as peças de seda que parecem ter gás, como as apresentadas por Stefano Pilati, da Yves Saint Laurent, na segunda.Lagerfeld não está preocupado com essa tendência e também não gosta dela. "Parece que o objetivo é se vestir para aparecer na revista Gala. Não é novidade", sentenciou.Em todas as coleções assinadas por Pilati para a Saint Laurent há personagens que, nas suas dobras e no seu aperto de "Bela da Tarde", chegam perto de representar a mulher YSL, mas nunca chegam a capturá-la de fato. Nos seus sete anos de trabalho como estilista, ele apresentou alguns desfiles interessantes, um ou dois que fugiram à regra e alguns que poderiam ser chamados de modernos.Não se trata de um currículo pouco convincente. Mas, infelizmente, Pilati - há rumores sugerem a possibilidade da sua substituição - está preso numa marca vista como algo entre um bombom decadente e um santuário assombrado.Vamos tratar dos aspectos positivos do desfile. A paleta de cores foi linda e ele também apresentou peças em branco, num tecido que mais parecia um jacquard de algodão, usado num belo vestido de falsa gola alta com um cinto em forma de medalhão e bainha decorada. O clima criado pela mistura de cores, nos tops avulsos e sem manga e nas calças de corte magro, era atraente. Também impressionaram os casacos ajustados nos ombros, os sapatos de salto alto e as sandálias presas no tornozelo.Entre os deméritos, os ternos de Pilati pareciam estilizados demais até mesmo enquanto afirmação na passarela, com paletós de seda inchados e bainhas mais largas que não parecem ser opções modernas. Tais peças sugerem que nada ocorre na vida de uma mulher durante o dia - e esta é uma das preocupações de Saint Laurent. Pilati deveria encontrar uma maneira mais juvenil e menos complicada de lidar com isso e ainda fazer uma poderosa afirmação de estilo na passarela.Giambattista Vialli é capaz de todo tipo de floreio, mas, desta vez, se concentrou em looks com chemises e calças esguias, todas elas vigorosamente atacadas por brocados prateados, brancos frios, rendas e até pele. A coleção pareceu um pouco um cavalo de um truque só, mas talvez Vialli estivesse mais preocupado em criar algo de alto impacto do que algo extremamente útil. / TRADUÇÃO AUGUSTO CALIL
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.