Ele deveria ter sido a estrela do 1.º Brasil Documenta - Fórum Internacional de Documentários, no ano passsado. Mas o trauma de 11 de setembro ainda estava muito próximo e a família conseguiu fazer com que Albert Maysles desistisse da viagem ao País. Sua participação no 1.º Brasil Documenta ficou reduzida a um vídeo, que ele gravou especialmente para a abertura do evento promovido pelo Canal GNT, com patrocínio da Brasil Telecom. Desta vez, Maysles veio, mas por curto período. Chegou na terça e vai embora na sexta-feira, porque compromissos profissionais o aguardam nos EUA. O velhinho não pára. Na semana passada estava na Ucrânia, na segunda-feira, no México. Maysles está quase com 80 anos (nasceu em 1933). Com o irmão David e mais Philip Leacock e D.A. Pennebaker fez um filme que é um marco na história do moderno documentário americano - Primary, sobre a campanha de John Kennedy nas eleições primárias que o levaram à Presidência dos EUA. Conta como fizeram o filme: "No começo dos anos 1960, descobrimos as câmeras portáteis, a Nagra e a Arriflex, que permitiam captar imagem e som simultaneamente." Munidos dessas câmeras leves, os irmãos Maysles, Leacock e Pennebaker criaram o cinema direto. Eram os anos em que Jean Rouch criava na França o cinéma-verité e a nouvelle vague tirava o cinema francês dos estúdios, para expressar nas ruas, em filmes como Os Incompreendidos, de François Truffaut, e Acossado, de Jean-Luc Godard, a urgência de uma juventude que, logo em seguida, estaria contestando tudo. Albert Maysles, a propósito, integrou-se à nouvelle vague ao trabalhar como cameraman de Godard em seu episódio para Paris Visto por... Embora os irmãos Maysles tenham feito documentários sobre os Beatles, Marlon Brando e Muhammad Ali, seu filme mais conhecido é Gimme Shelter, de 1970, quando eles dirigiram sua câmera para o fenômeno Rolling Stones e mostraram o fim do sonho hippie no célebre concerto de Altamont, que terminou em caos e morte. Depois da morte de David, há 15 anos - era o montador dos filmes da dupla -, Albert continuou seu trabalho solitário, que o tem levado aos quatro cantos do mundo. Já esteve no Brasil, antes. Tem muitos amigos brasileiros em Nova York. Diz que todos possuem uma característica comum. Explica qual é, em francês: "É a joie de vivre." Essa alegria de viver, o próprio Maysles a possui. Explica por que virou documentarista: "Trabalhava com psicologia social, resolvi expandir no cinema um trabalho que seria limitado nos consultórios." Diz que sempre procurou a verdade, mas ele mesmo pergunta o que é a verdade? Não é algo absoluto. Existem verdades, no plural. A dele consiste em estabelecer uma ligação com os personagens dos seus filmes. Cita, de novo em francês, um "rapport". Sem confiança mútua não sai um documentário, pelo menos o tipo de documentário que ele gosta de fazer. Possui seis regras básicas, que constituem o seu dogma. Em primeiro lugar, é preciso amor pelo tema e respeito pelos personagens. A narração em off não é permitida nem as entrevistas. Roteiro, nem sonhar. É preciso muita ética. E também não gosta de música, exceto quando faz parte do contexto, como em Gimme Shelter. Nessa altura, são sete - e não seis - regras que dão nó na cabeça dos interlocutores de Albert Maysles - como é possível fazer um documentário sem narração nem entrevistas? "Há mais de 40 anos trabalho com esse método; acredite-me, ele funciona", garante. Há um bocado de malícia no olhar, de ironia na voz. É claro que funciona. Afinal, esse homem é considerado fera, um dos maiores documentaristas do mundo. Conta que, apesar do título honroso que os críticos lhe atribuem, seus filmes não passam na TV americana. "Eles querem controlar tudo, eu defendo a minha liberdade." Lamenta o que chama de manipulação da informação. "Os americanos não sabem nada sobre o Iraque, se soubessem talvez não estaríamos à beira de uma guerra." O controle e a manipulação da informação o ofendem, como indivíduo e como artista. "Estão na base de todos os regimes totalitários." Confessa que detesta Jogando Boliche por Columbine, o documentário de Michael Moore que virou a sensação deste ano (prêmio do júri no Festival de Cannes, prêmio do público na 26.ª Mostra BR de Cinema). Detesta tanto que diz que não viu. E ri, gostosamente, não esclarecendo se fala mal do filme só de ouvir falar. Diz que Moore não é um documentarista - é um propagandista do ódio. Manipula as pessoas (e os espectadores) com suas entrevistas tendenciosas. Ele também não gosta da atividade de Charlton Heston como porta-voz da Associação Americana do Rifle, que defende o direito de as pessoas se armarem. Mas o ofende a maneira como Moore manipula Heston e o mostra, no fim da entrevista, como um pobre velho que se arrasta, por causa de um defeito nas pernas. "Aquilo é abuso", diz Maysles. "Se perdemos a nossa ética, daqui a pouco estaremos concordando com o que mais, em nome de nossas crenças?" Nada assusta mais o diretor do que a cultura do ódio, venha de um direitista como George W. Bush ou de um esquerdista como Michael Moore. Maysles, no fundo, talvez seja um velho hippie que ainda acredita em paz e amor. Para resumir o que pensa de Moore, cita seu clássico de 1976, Grey Gardens. É um filme centrado na relação de mãe e filha numa decadente mansão em East Hampton. "Se o filme fosse dele, a mãe seria uma megera e a filha uma assassina em potencial. No nosso filme - dele e de David Maysles - são pessoas cujo destino trágico tentamos entender e iluminar."