Quem viu o trailer de Kingsman – Serviço Secreto, viu possivelmente a melhor cena da comédia de ação de Matthew Vaughn. Colin Firth está conversando com o garoto Eggsy/Taron Egerton, em quem viu potencial para ser… espião? Até aí, não sabemos nada sobre Firth, e o grupo que pressiona Eggsy, também não. O garoto órfão de pai está trilhando um caminho, digamos, perigoso – uma vida no crime – e o grupo está ali para uma cobrança grave. ‘Harry’, que é como Firth se chama, intervém. Observa para o líder do grupo que está conversando com o rapaz. A mensagem nada subliminar é que não deseja ser interrompido. O carinha, todo seguro de si, pede ao vovô que se afaste, para não se machucar. Firth suspira e pensa consigo que é hora de aplicar-lhe(s) uma lição. E começa a pancadaria.
A cena lembra muito a de O Protetor, de Antoine Fucqua, em que os mafiosos russos também subestimam Denzel Washington e pagam por isso. De novo o cinema estilizado, coreografado – e violento. Firth bate e arrebenta sem perder a fleuma. Afinal, é britânico, não? O diretor Vaughn, ou os executivos da companhia que distribui Kingsman deviam saber o que fazem para entregar de mão beijada a melhor cena do filme. É verdade que existe outra quase tão boa, a da igreja, Tudo isso faz (muito) sentido. Mais que uma comédia de ação, Kingsman é uma paródia de espionagem. Firth não está apenas emulando o velho 007, na fase pré-Daniel Craig. Sua performance, os óculos, tudo remete a outro agente, o Harry Palmer dos livros de Len Deighton, e, de repente, aparece o próprio Michael Caine, que fazia o papel.
Vaughn dirigiu X-Men – Primeira Classe, e aqui reafirma suas qualidades. Ele certamente é antenado na cultura pop. Viu, além de James Bond e Harry Palmer, Agente 86, Kick Ass – e até dirigiu Kick Ass 2. Para leitores/espectadores interessados em trívia, Vaughn é casado com Claudia Schiffer (desde 2002) e foi padrinho de casamento de Guy Ritchie com Madonna. Convidado para dirigir Thor, declinou da oferta, o que deve ser motivo de (eterno) arrependimento. Em busca do tempo perdido, incorpora tudo, e todos. Assim como Harry recruta Eggsy e direciona as habilidades que, mal utilizadas, transformariam o garoto num criminoso, há um vilão – com uma assistente – que possui um plano bizarro para acabar com a superpopulação e a fome no mundo. Samuel L. Jackson é quem faz o papel. É um bilionário que quer dominar os mercados, e para tanto chega à conclusão de que a solução é eliminar bilhões de pessoas. Assim, sem mais nem menos. O cara é louco, claro, mas, pessoalmente, o sujeito que propõe uma nazista solução final também não pode ver sangue. A assistente Sofie Boutelle, com o sugestivo nome de Gazelle, vira a executora dos sinistros planos do mestre.
Colin Firth teve/tem uma trajetória curiosa. Começou disputando com Hugh Grant as mocinhas de comédias românticas (Bridget Jones?). Poderia ter permanecido assim, eterno galã. Com Tom Ford, mostrou que tinha talento dramático, encarnando o homossexual solitário de Direito de Amar, mas foi O Discurso do Rei, de Tom Hooper, que lhe valeu o Oscar (que deveria ter ganhado pelo Ford). Depois, Firth meio que ingressou na maldição do Oscar que atinge tantos atores e atrizes de uma só performance. Fez papéis pesados em filmes sem importância, nada sério nem relevante. E voltou à comédia, com Woody Allen e Matthew Vaughn. Era o que necessitava. Kingsman não é perfeito. É longo, em certos momentos a trama derrapa em subtramas supérfluas (desnecessárias). Mas quando atinge o tom certo da ação e do humor, Vaughn é ótimo.
O elenco é 10. O garoto é bom, Firth é ótimo e Samuel L. Jackson ainda é melhor que ele. Alfred Hitchcock dizia que filmes de suspense necessitam de grandes vilões. Os de espionagem, também. Richmond Valentine – é o nome do personagem – consegue ser tudo. Cruel, patético, frágil. É excessivo, e Jackson, sabendo disso, carrega no tom, com excelente resultado. Kingsman baseia-se nas HQs de Mark Millar (desenhadas por Dave Gibbons). Para o público afoito para ver Vingadores 2, é uma prova de que nem só de super-heróis vive o cinema de ação. Se isso ajudar a despertar (mais) seu interesse, Quentin Tarantino, outro autor pop, adorou Kingsman. Para o diretor de Bastardos Inglórios e Django Livre, o filme em cartaz desde a semana passada é o melhor que um popcorn movie pode oferecer.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.