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‘De Cabeça Erguida’, de Emmanuelle Bercot, discute o tema da maioridade penal

Diretora e atriz fala de seu longa que abriu Cannes e sobre como foi ser a melhor atriz do festival

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Emmanuelle Bercot perdeu a paciência e projetou a imagem de antipática durante a coletiva de lançamento do Festival Varilux, aqui mesmo em São Paulo, em junho. Mas não lhe faltava certa razão. Era muita gente a perguntar-lhe sobre a honra de ter sido a primeira mulher (diretora) a inaugurar o Festival de Cannes, em maio, com seu longa De Cabeça Erguida/La Tête Haute, sobre um jovem delinquente. 

No dia seguinte, numa entrevista individual concedida na piscina de um hotel de luxo em Copacabana, ela desabafou. “Não tem sido só aqui (no Brasil). Em toda parte me fazem a mesma pergunta, como se meu filme tivesse sido convidado para abrir Cannes como um gesto de generosidade da organização do festival, e não por seus méritos. Sei que existem muitíssimo menos mulheres diretoras que homens, mas isso não é motivo para assumirmos uma posição de inferioridade, como se programar meu filme tivesse sido uma grande concessão de Thiérry (Frémaux, o diretor artístico do evento).”

Cena do filme De Cabeça Erguida, de Emmanuelle Bercot, com Catherine Deneuve, Benoît Magimel, Sara Forestier FOTO DIVULGACAO Foto: Cena do filme De Cabeça Erguida, de Emmanuelle Bercot, com Catherine Deneuve, Benoît Magimel, Sara Forestier FOTO DIVULGACAO

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O próprio festival errou, anunciando, em seu primeiro comunicado, que Emmanuelle seria a primeira diretora a inaugurar o maior festival do mundo. Só se fosse a primeira em 28 anos, porque em 1987 Diane Kurys antecipou Emmanuelle Bercot e foi, ela, sim, a primeira mulher a ter a honra de assinar o filme escolhido para a abertura do festival, Um Homme Amoureux. De qualquer maneira, o Festival de Cannes deste ano foi o de número 68. Durante todo esse tempo, apenas duas mulheres, Diane e Emmanuelle, assinaram o filme de abertura. 

Diane fez história, mas Emmanuelle também fez. Porque ela estabeleceu um precedente dificílimo, senão impossível de superar. Como diretora do filme de abertura, que costuma passar fora de concurso, não participou da competição. Mas participou como atriz e venceu o prêmio de interpretação feminina – dividido com Rooney Mara, de Carol, de Todd Haynes – por seu papel em Mon Roi/Meu Rei, de Maïwenn, e isso, sim, é inédito.

Parabéns, Emmanuelle. Ela beija o repórter e joga as mãos para o alto. Agora, sim. “Quero crer que abri o festival e fui melhor atriz por mérito próprio, e não por favor de ninguém”, comenta. Como diretora, já havia sido premiada em Cannes com o curta Les Vacances/As Férias. Como diretora, exibiu Elle s’En Va, com Catherine Deneuve, em Berlim. E, como roteirista, foi premiada, também em Cannes, por Políssia, outro filme de Maïwenn. Emmanuelle é muito próximo da atriz Isid Le Besco, irmã de Maïwenn. Sobre a colega diretora, ela diz: “O que nos une é o amor pelo realismo, pela verdade. A arte pela arte não nos interessa. Tem de ser visceral.” Mon Roi conta a história dos altos e baixos de um casal, interpretado por Emmanuelle e Vincent Cassel, o ex de Monica Bellucci. O filme tem cenas e diálogos fortíssimos, coisas que você não costuma ver – nem ouvir.

De Cabeça Erguida não é menos forte. O protagonista é um garoto que vive em reformatórios. Embora a narrativa o acompanhe desde antes, é centrada no período dos 13 aos 17 anos. Políssia já tratava da brigada de crianças e adolescentes da polícia francesa, mas não foi exatamente o longa de Maïwenn que atraiu Emmanuelle Bercot para o tema. “Tenho um tio que é assistente social em instituições para crianças e adolescentes. Sempre ouvi em casa histórias sobre garotos e garotas em choque com a polícia. Os coprotagonistas de meu filme são pessoas que conheço bem, através de meu tio. Benoit Magimel é ele, Catherine Deneuve é uma juíza que marcou muito meu tio com sua experiência. A frase central do filme não é uma invenção, é real. Como tutor legal, Benoit está comprometido com a recuperação do garoto, a juíza, também. Ele vai a Deneuve. Diz que é como o pai do garoto e ela, a mãe. A juíza o corrige – ela, com seu poder legal, é o pai. Ele, a mãe.”

Como roteirista e diretora, como Emmanuelle desenvolveu o projeto de La Tête Haute? “Foram muitos anos de gestação. Acho que esse projeto me acompanhou desde sempre, por causa de meu tio, mas, no momento em que decidi levá-lo adiante, comecei a ver e a rever tudo o que a TV e o cinema já haviam feito sobre o tema. E comecei a visitar as instituições. Fui a reformatórios abertos, fechados. Entrevistei centenas de crianças e adolescentes. Descobri que, por ser artista, eles me olhavam de uma maneira especial. Ganhei sua confiança. O filme sintetiza muita coisa que vi e ouvi. Tentei ser o mais fiel possível à realidade, a esses jovens.” Emmanuelle Bercot mostra seu filme num momento em que o tema da maioridade penal se faz premente na sociedade brasileira. “Acho absurda a redução da maioridade. Mesmo nos países que a adotaram, a criminalidade dos jovens não diminuiu. Entendo que o jovem não deva permanecer impune, mas colocá-lo na cadeia com adultos não é a solução. Isso só piora mais o problema.”  Ela conta que sua grande preocupação, com a roteirista Marcia Romano, foi evitar um estereótipo do garoto do filme. “Não queríamos que ele virasse um clichê. O garoto da periferia, árabe ou negro, envolvido com drogas. Queríamos um garoto com o qual a maioria do público pudesse se identificar.” 

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Não foi fácil achar o protagonista, Rod Paradot. “Fizemos um casting selvagem, procurando garotos por toda a França. Buscava o que parecia impossível, alguém que fosse convincente aos 13 como aos 17. Rod não tinha nada do personagem quando o conheci, mas havia algo em seu olhar que mexeu comigo.” E Deneuve? “Já havíamos criado nossa cumplicidade na época de Ele Se Vai. As pessoas fazem uma ideia de Catherine. Para elas, é o mito. Mas Catherine é 100% humana, e adora desafios. Contracenar com não profissionais é sempre um risco. Você tem de estar preparado para tudo, principalmente para improvisar, porque eles são imprevisíveis. Rod foi maravilhoso, mas sem Catherine e Benoit (Magimel) não teria conseguido.”

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