Opinião | ‘Flow’ é animação graciosa que tira Hollywood da zona de conforto

Longa-metragem, que se tornou um fenômeno cultural na Letônia, segue o caminho contrário da cartilha americana de animação

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Foto do author Matheus Mans
Atualização:

Pode-se dizer, até com tranquilidade, que a indicação de Flow ao Oscar 2025 é um dos maiores feitos na história do cinema na Letônia – a animação é a primeira produção letã a ser reconhecida pela Academia e, de cara, já com indicação dupla em Filme Internacional e em Animação. E não é pra menos: o longa sabe ser gracioso enquanto também provoca Hollywood, tirando os grandes estúdios americanos de animação da zona de conforto.

Afinal, tudo na produção, que estreou nesta quinta, 20, foi feito em escala microscópica, se compararmos com os aparatos de estúdios como DreamWorks e Pixar. O diretor Gints Zilbalodis assume a dianteira em música, fotografia, edição e até mesmo direção de arte. Todos os traços do filme, enquanto isso, nasceram no Blender, um software gratuito e de código aberto. O governo da Letônia, que pagou parte do filme, diz que Flow custou US$ 3,8 milhões – Divertida Mente 2, em comparação, custou inacreditáveis US$ 200 milhões.

'Flow' acompanha a história de um gato preto preso em uma enchente gigantesca Foto: Mares Filmes/Divulgação

Beleza no singelo

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Na história, tudo é singelo e, ao mesmo tempo, honesto. Não há grandes aparatos, grandes mensagens. É, simplesmente, a história de um gato preto que tenta desesperadamente se salvar de uma torrente de água que atinge seu mundo. É o planeta Terra? É um mundo alternativo? O espectador nunca sabe. A partir daí, ao lado de animais como uma capivara e um lêmure, eles tentam encontrar terra firme e sobreviver à devastação.

Por um lado, Flow é um filme delicioso de ser assistido. Suas limitações, assim como a naturalidade dos cenários e dos personagens, fazem com que toda a experiência ganhe um ar de observação naturalista. O “flow” do título, na tradução em português, pode referir-se à inundação e o grande volume de água que toma conta do cenário, mas também diz sobre o comportamento dos personagens: eles fluem por ali, simplesmente em busca de salvação.

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Com motivos de sobra, Flow virou um fenômeno na Letônia – assim como Fernanda Torres e Ainda Estou Aqui se tornaram fenômenos no Brasil. Há imagens do gato preto grafitadas em vários pontos de Riga, capital do país europeu, e até levantaram estátuas do animal protagonista.

Assim, mais do que uma história graciosa, e com uma beleza que surge a partir da leveza e da ingenuidade, Flow é uma provocação direta aos grandes estúdios de Hollywood, que vivem na seca de boas ideias para o mundo da animação há anos. Esses estúdios exploram franquias que ninguém mais aguenta ver nas telonas. Filmes nascem para preencher buracos nos calendários. Ideias são reaproveitadas. Pouca coisa realmente encanta como Flow faz.

Flow (2025), animação da Letônia indicada ao Oscar Foto: Mares Filmes/Divulgação

Há grandes chances do longa perder para Robô Selvagem na competição de animação – um raro exemplar de animação americana com um coração em sua história. Ainda assim, o longa-metragem não apenas deixa o cinema da Letônia marcado na história da premiação, fazendo com que seus 1,9 milhão de habitantes sorriam por um bom tempo, como também naturalmente instiga e inspira ideias e tentativas de fazer mais e melhor.

Assim como a DreamWorks resolveu se mexer há alguns anos e trazer produtos mais bem acabados, seguindo o caminho que a Sony fez com Homem-Aranha no Aranhaverso, o filme letão pode ser a cutucada que Hollywood precisava. E, com isso, Flow, a Letônia e o diretor Gints Zilbalodis fazem história enquanto nós, espectadores, encontramos uma bela história, para toda a família, sendo contada nas salas de cinema.

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Opinião por Matheus Mans

Repórter de cultura, tecnologia e gastronomia desde 2012 e desde 2015 no Estadão. É formado em jornalismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie com especialização em audiovisual. É membro votante da Online Film Critics Society.

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