Todo ano é a mesma coisa. Os críticos arriscam seus prognósticos, mas com a ressalva de que o Oscar é uma caixinha de surpresas. É uma forma de salvaguarda. É muito difícil conseguir acertar sempre. Não que seja impossível, mas às vezes até os indicadores falham. Há um par de anos, o Actor’s Guild – sindicato dos atores – premiou Viola Davis, por Histórias Cruzadas, mas, embora os votantes da categoria fossem os mesmos no prêmio da Academia, quem levou a estatueta de melhor atriz foi Meryl Streep, por A Dama de Ferro.
Existem prêmios que parecem barbadas – Cate Blanchett como melhor atriz por Blue Jasmine, de Woody Allen, Matthew McConaughey como melhor ator por Clube de Compras Dallas, de Jean-Marc Vallée. O prêmio para ele vai consagrar o que, nos EUA, vem sendo chamado de ‘McConaussance’ (o renascimento de McConaughey), mas seria injusto dizer que vai ganhar só porque emagreceu 25 quilos para fazer o papel. A Academia adora premiar o esforço físico, a transformação, mas há mais sutileza no retrato que o (ex)galã faz de um homofóbico que se transforma. O próprio filme é muito mais a história de um resistente que o tradicional relato sobre um canalha que se redime.
Mas é evidente que a disputa maior envolve os nove indicados para melhor filme. Dos nove diretores, quatro foram barrados e apenas cinco concorrem ao Oscar da categoria, como em todas as demais, ou quase todas. Quem leva? A se julgar pelas apostas ou pelo tititi, os concorrentes nem parecem tantos. Há uma polarização entre 12 Anos de Escravidão, de Steve McQueen, e Trapaça, de David O. Russell, com O Lobo de Wall Street, de Martin Scorsese, concorrendo como terceira ou quarta força – porque o espectro de Gravidade, de Alfonso Cuarón, paira sobre todos os indicados.
É o melhor de todos, mas 12 Anos é o candidato ideal porque aborda um tema sério e já ganhou um monte de prêmios. É o que se pode chamar de filme de prestígio, mas dizer que vai ganhar apenas por isso é injusto. Desde o clássico O Nascimento de Uma Nação, de David W. Griffith, de 1915 – há quase 100 anos –, o tema da escravidão tem estado presente no cinema norte-americano, mas nunca houve um filme como o de McQueen. Hollywood já contou histórias de abusos e violências contra escravas e escravos, mas não dessa forma, e embasada num testemunho como o de Salomon Northup, o negro emancipado que foi feito escravo de novo e sobreviveu para contar seus 12 anos no inferno n a senzala.
O filme inspira-se no que o diretor, ele próprio negro, chama de holocausto de sua raça. Surge como a culminação de uma tendência que não vem de hoje – a luta contra o racismo –, mas que, nos últimos anos, produziu filmes como Django Livre, de Quentin Tarantino, e O Mordomo da Casa Branca, de Lee Daniels, para citar apenas dois que, claramente, se propõem como historicamente revisionistas. 12 Anos tem tudo para ganhar, mas parece mais improvável que McQueen, homônimo do astro dos anos 1960, some ao prêmio de filme o de melhor diretor.
McQueen veio das artes visuais. Mais de um crítico já disse que é acadêmico, mas talvez a estética do filme – baseada nas composições e iluminação de Rembrandt – não esteja sendo bem assimilada. Mesmo assim, digamos que não ganhe. O Oscar de direção para David O. Russell e Martin Scorsese seria absurdo. Nem com banda de música o segundo será aclamado daqui a 12 anos por ter feito o melhor retrato da era atual. O mais apelativo ou o mais sórdido, talvez. A opção é Alfonso Cuarón. Se não ganhar, pelo visionário Gravidade, é porque o filme está adiante de sua época. Daqui a 12 anos, quem sabe...
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