Homófobo, machista - quem mais em Hollywood senão Mel Gibson? A surpresa é constatar que ele foi domado por Nancy Meyers. É a diretora de Do Que as Mulheres Gostam. É um filme sobre a superioridade moral das mulheres. Em diversas cenas, Nancy consegue o prodígio de fazer com que Gibson negue na tela a persona que esculpiu ao longo de sua carreira, em êxitos como a série Máquina Mortífera ou Coração Valente (que lhe deu o Oscar de direção). Gibson não apenas se veste de mulher, depila-se e maquia-se, como lá pelas tantas tem de dizer que é gay (não ele, o personagem). A platéia diverte-se. Do Que as Mulheres Gostam estréia nessa sexta-feira. Não é o tipo de filme que os críticos gostam de recomendar, mas é engraçado e diz coisas interessantes. Uma cena importante desenrola-se numa escadaria. O personagem de Gibson acaba de confessar sua inferioridade moral. Ele desce a escada, o que pode até ser óbvio para expressar a natureza do herói na cena, mas não deixa de ser eficiente. A mulher (Helen Hunt) fica lá em cima, mas ela desce do seu pedestal e o homem avança alguns degraus para que ambos possam se colocar no mesmo plano. Cinema é isso - constrói-se na relação ator-cenário, por meio da qual o diretor (aqui diretora) consegue expressar sua visão do homem no mundo. Do Que as Mulheres Gostam tem um ponto de partida fantástico, mas que não deixa de ser engraçado. O que ocorreria se um homem adquirisse, de repente, a capacidade de ouvir os pensamentos das mulheres? É o que ocorre com o publicitário que Gibson interpreta. A princípio, a idéia o aterroriza e ele corre para o divã da psicanalista. Ela (Bette Midler, numa ponta) faz o cliente ver que é o sonho de todo homem. Sabendo o que as mulheres querem, Gibson poderá satisfazê-las. E, dessa maneira, consolidará seu poder em qualquer relação. Na história, Gibson é um publicitário que espera ser promovido a diretor de criação na agência em que trabalha. Mas o problema é que as mulheres constitutuem-se hoje numa fatia decisiva do mercado consumidor e um machista como o personagem de Gibson não tem capacidade de criar anúncios que falem a linguagem delas. Entra em cena Helen Hunt, como a nova diretora de criação da firma. Ela espera a oposição de Gibson e surpreende-se com esse homem cheio de idéias, capaz de perceber as nuances mais íntimas de sua existência solitária. Na verdade, ele está copiando as idéias dela, o que consegue fazer ouvindo seus pensamentos e isso permite à diretora, quando a situação se esclarece, bater na tecla de que a mulher é superior ao homem. Mas ocorre o impensável. O machista, que a filha afirma lá pelas tantas ser incapaz de uma relação sincera, apaixona-se. Você já viu esse filme. É clichê, mas parece que foi François Truffaut quem disse certa vez que há só duas maneiras de tratar o clichê com criatividade - ironizando-o ou fazendo-o melhor que os outros. Nancy Meyers ironiza o tempo todo e às vezes até deixa até a impressão de que se você já viu esse filme ou outro parecido, ele não era melhor do que Do Que as Mulheres Gostam. Há boas surpresas e nenhuma é tão prazerosa como a maleabilidade física que Gibson revela na dupla homenagem a Frank Sinatra e Fred Astaire. Quem acompanha a carreira do astro americano nascido em Nova York e criado na Austrália, sabe que Gibson é um ator físico, não intelectual. Foi um desastre (ou quase) no célebre ser ou não ser, quando Franco Zeffirelli teve a idéia, estapafúrdia, de pedir-lhe que recitasse o monólogo de Hamlet. Mas Gibson, como ator físico, era bom nas correrias e pancadarias. Aqui, ele dubla Sinatra com o chapéu desabado sobre o rosto que era marca registrada de The Voice. E dança, reproduzindo, com razoável elegância, os passos de Astaire na coreografia com o cabide de Núpcias Reais, de Stanley Donen, no começo dos anos 50. Você pode até achar que é irrelevante, mas a maneira como Nancy Meyers leva Mel Gibson a brincar com sua persona não é destituída de inteligência nem de ousadia. Tony Curtis e Jack Lemmon criaram travestis célebres em Quanto Mais Quente Melhor, de Billy Wilder, em 1958, mas nenhum deles era um machão de pistola na mão como Gibson. É divertido vê-lo de combinação ou equilibrando-se nos sapatos altos na cena em que a filha entra com o namorado em casa e surpreende o pai vestido de mulher, na fase anterior à capacidade de ouvir pensamentos mas já tentando decifrar o enigma da mente feminina. A cena de sexo com a personagem de Marisa Tomei é outro achado, pela maneira como ela desmonta, no pensamento, a auto-estima do herói, levando-o a esconder-se no banheiro para uma conversa com seu baixo-ventre, exortando o parceiro velho de guerra à ação. Não é um grande filme e nem pode ser considerado como tal, mas não é desagradável. Diverte e isso é mais do que os filmes recentes de Gibson conseguiram fazer, a menos que você seja fã incondicional da brutalidade de O Troco. Do Que as Mulheres Gostam (What Women Want). Comédia Romântica. Direção de Nancy Meyers. EUA/2000. Duração: 126 minutos. 12 anos