“Ninguém estava pedindo um filme de três horas e meia sobre um designer de meados do século passado, mas funcionou”, afirmou o diretor Brady Corbet em seu discurso de aceitação do Globo de Ouro de Melhor Filme de Drama por O Brutalista, longa-metragem que estreia no Brasil nesta quinta-feira, 20, laureado com 10 indicações ao Oscar 2025, 4 Baftas e o Leão de Prata no Festival de Veneza, entre outros prêmios.
O jovem cineasta americano, de apenas 36 anos, tem reafirmado com frequência sobre as dificuldades que enfrentou para viabilizar o projeto. Ele demorou anos para escrever o roteiro junto da mulher, Mona Fastvold, e optou por conduzir as filmagens na Hungria por questões financeiras. Dentre os dez indicados ao Oscar de Melhor Filme, O Brutalista é um dos com menor orçamento – cerca de US$ 10 milhões, valor pequeno diante de blockbusters como Duna: Parte 2 e Wicked, que ultrapassaram U$ 150 milhões em custos.

Além disso, apesar da resistência dos executivos de Hollywood ao formato radical, o diretor foi irredutível e se ateve à visão épica. A obra é dividida em duas partes e conta com uma pausa inserida entre elas, após cerca de 1h40 de projeção, na qual há cronômetro em contagem regressiva no canto da tela. No final, há um epílogo breve e arrebatador que resume toda a essência de O Brutalista.
Em entrevista ao Estadão, por videoconferência, os atores Guy Pearce e Felicity Jones, ambos nomeados à estatueta dourada por seus papéis, falaram sobre a temática da obra, a profundidade de seus personagens e os problemas enfrentados na pré-produção. À época da condução das entrevistas, em janeiro, não havia vindo à tona a polêmica em torno do uso de IA para aperfeiçoamento dos sotaques húngaros no filme. Por isso, o tema não foi abordado.
“Uma das coisas que Brady percebeu depois de fazer Vox Lux (2018) nos EUA foi que muito do orçamento não acabou aparecendo na tela e, dessa vez, isso era realmente importante para ele, fazer esse filme e ter esse tipo de visão grandiosa refletida na tela”, conta o australiano de 57 anos. “É um filme de época, sobre arquitetura, tem ideias bastante amplas, e não tinha um grande orçamento. Mas no set, foi uma filmagem de dois meses, e ele não nos fez sentir apressados de forma alguma.”
“A grande arte surge de grandes lutas”, acrescenta a britânica de 41 anos, refletindo sobre a batalha do casal para levar a história às telas. “Acho que a perseverança de Brady e Mona possibilitaram que eles avançassem, mesmo que o mercado não quisesse realmente que este filme fosse feito. (...) Conformar-se ao poder do algoritmo pode ser prejudicial porque precisamos incentivar a expressão humana única. Como espectadores, aprendemos algo sobre nós mesmos e sobre os outros, e isso nos enobrece, o que é muito difícil de ser feito por conteúdos extremamente curtos.”

A fragmentação do ‘Sonho Americano’
Na trama, acompanhamos a jornada de László Tóth (Adrien Brody, premiado no Globo de Ouro e no Bafta), um fictício arquiteto judeu húngaro e sobrevivente do Holocausto que emigra para os Estados Unidos, deixando para trás a esposa Erzsébet (Jones). Lá, ele é contratado pelo magnata Harrison Lee Van Buren (Pearce) para supervisionar a construção de um colossal instituto na Pensilvânia.
A intenção do filme é clara: expor a fragmentação do “Sonho Americano”, aos moldes epopeicos de estandartes da sétima arte como O Poderoso Chefão (1972), Era Uma Vez na América (1984) e O Mestre (2012), no sentido de investigar a mentalidade transtornada da população depois dos pavores da 2ª Guerra Mundial, bem como o lado podre dos Estados Unidos da América.
“O filme olha essa noção idealizada de que você pode chegar nos EUA e fazer qualquer coisa da sua vida, mas isso não é realmente o caso. Para cada pessoa que consegue ter sucesso, existem muitas outras que não têm sucesso”, explica Pearce. “Ele olha para o lado feio capitalismo. E a verdade é que é necessária uma certa quantidade de socialismo para que todos se saiam bem, mas esse não é o tipo de país que são os EUA”, complementa ele, corroborado por Felicity: “Quando você tem muita disparidade entre os mais ricos e os mais pobres, isso não contribui para um conjunto de pessoas saudável e funcional”.
Pearce também fez questão de criticar a participação norte-americana no conflito de Gaza. “Hoje os EUA estão meio que sob ataque, obviamente, com sua contribuição para a terrível na ocupação de Gaza – não é uma guerra, é uma ocupação. O filme é uma peça histórica, mas provavelmente há algumas coisas com as quais as pessoas podem se identificar nos dias de hoje”, opina.

Os vínculos complexos
A incomum relação amorosa do casal László e Erzsébet é aprofundada na segunda parte da película, na qual testemunhamos um vínculo complexo e intenso, com todos os prós e contras que essas palavras podem carregar. Durante uma cena de sexo, por exemplo, o personagem de Brody se vira para a companheira e diz: “Eu te amo, vaca”.
“Acho que a química existe ou não existe. Você não pode fabricá-la. Adrien e eu fomos ambos bastante inabaláveis em nossa abordagem, pois sabíamos o quão especial era. Ter o desempenho colocado em um pedestal assim e ser considerado tão importante muitas vezes acontece no teatro, mas é muito raro encontrar isso no cinema desta forma”, analisa Felicity, famosa por suas atuações em A Teoria de Tudo (2014), como a mulher de Stephen Hawking, e Rogue One: Uma História Star Wars (2016), na pele da soldada intergaláctica Jyn Erso. “Sinto como se o legado de Jyn vivesse em Erzsébet. Há uma qualidade Jedi em Erzsébet”, confessa ela.
Já o elo do protagonista com a poderosa figura encarnada por Guy Pearce transita entre a admiração mútua e o horror. “Há qualidades no meu personagem que são admiráveis, como há em qualquer pessoa. Mas a batalha que há dentro dele é válida de explorar. Mesmo que ele tenha a habilidade de ser generoso ou de reconhecer a arte, também é atormentado por sentimentos de insegurança e inveja. Eu acho que no fim das contas ser bom ou mau é uma escolha. Então, ele é muito questionável e ótimo para interpretar, obviamente”, explica o veterano artista, acostumado a representar homens complicados como Andy Warhol em Uma Garota Irresistível (2006) ou Leonard Shelby no cultuado Amnésia (2000).
A passagem mais impactante entre László e seu patrão é situada na cidade de Carrara, na Itália, famosa pelas suntuosas montanhas de mármore, que são escavadas há mais de 500 anos. Lá, os dois vão colher a rocha em estado puro para o empreendimento arquitetônico o qual estão consumando. A sequência serve de metáfora para todo o conceito por trás de O Brutalista.
“O aspecto mais memorável foi a incrível beleza de poder ver esse mármore natural. Era tudo muito místico e belo, mas ao mesmo tempo era devastador ver o que nós, seres humanos, fazemos com o mundo natural só para ter uma bela bancada de cozinha. Foi realmente uma experiência reveladora e perturbadora, para ser honesto”, lembra Pearce.
Os atores ainda foram questionados pelo Estadão se já assistiram a Ainda Estou Aqui, rival de O Brutalista na disputa pelo prêmio máximo do cinema. Ambos alegaram não ter visto o longa-metragem de Walter Salles. “É o próximo da minha lista, estou doida pra ver”, falou Felicity. “Estou ansioso para assistir, parece fascinante”, acrescentou o colega.