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O Samurai do Entardecer, por Yôji Yamada

O velho mestre da série É Triste Ser Homem adere aos filmes de espada

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Por Agencia Estado
Atualização:

Há seis anos ele esteve em São Paulo para receber a homenagem da Fundação Japão, que programou o ciclo Os Sentidos da Felicidade, formado, majoritariamente, pelos filmes que integram a série mais longa do cinema - É Triste Ser Homem, com 48 episódios. Yoji Yamada é um ícone do cinema popular japonês, um diretor que fez comédias dramáticas que agradavam ao público e, simultaneamente, construiu uma obra que lhe valeu a consagração dos críticos - foram 18 Kinema Junpos, o Oscar do cinema japonês. Nascido em Osaka, em 1931, Yamada fez filmes de diversos gêneros e estilos, mas nunca contara histórias de samurais. Em 2002, ele fez o primeiro, O Samurai do Entardecer, que integrou a mostra competitiva do Festival de Berlim e foi indicado para o Oscar de melhor filme estrangeiro. Dois anos mais tarde, Yamada voltou aos jidai-gekis, filmes de espada, com The Hidden Blade, e ainda fez um terceiro filme, Alma de Samurai, compondo uma trilogia de época adaptada dos livros do especialista Shuhei Fujisawa. Três grandes filmes de samurais e o primeiro deles, O Samurai do Entardecer, estréia nesta sexta-feira, em São Paulo. É lindo. Do cineasta que construiu a saga de Tora-san, o personagem interpretado por Kiyoshi Atsumi na série É Triste Ser Homem, não se poderia esperar outro enfoque. Se Tora-san é o vagabundo que não possui autoridade nem moradia fixa, os samurais de Yamada tinham de ser do entardecer, como os pistoleiros da obra-prima de Sam Peckinpah, de 1962. O próprio Yamada esclareceu por que, tão tardiamente, se voltou para os filmes de samurais, ousando percorrer o território trilhado por figuras míticas do cinema japonês, como Akira Kurosawa e Masaki Kobayashi. Seu objetivo é restabelecer o bushido, o código de honra, que os mangás, até como forma de refletir o mundo atual, substituíram por ação e violência e nada mais. Os samurais de Yamada (sobre)vivem num contexto verossímil. Seu personagem, no começo da era Meiji, é Seibei Iguchi (Hiroyuki Sanada), um samurai de baixa casta que sustenta sua mãe doente e as duas filhas trabalhando num armazém. Como volta para casa na hora do crepúsculo, os vizinhos o chamam de Tasagore Seibei, o que corresponde a Seibei Entardecer. Os amigos o aconselham a casar-se, mas ele não tem posses. É quando ressurge seu grande amor de juventude, Tomoe, que acaba de se separar do marido violento. Uma noite em que Seibei e Tomoe estão juntos, o marido desafia o herói para um duelo e é morto por ele. Forma-se a lenda de Seibei como o homem da espada invencível e ele é chamado para enfrentar outro samurai, cuja rebeldia desagrada ao clã. Antes do duelo, o herói dialoga com o inimigo e descobre que está muito mais próximo dele do que dos poderosos. Ninguém foi mais longe do que Kobayashi na desmistificação da figura do samurai, em clássicos como Hara-Kiri e Rebelião, que talvez seja a obra-prima de todo o cinema japonês (se é que se pode buscar uma, sem ofender a contribuição de grandes artistas como Kenji Mizoguchi e Yasujiro Ozu). O próprio Kurosawa, em seus épicos finais, Kagemusha, a Sombra do Samurai e Ran, construiu espetáculos de grande suntuosidade cênica, mas a visão não era muito diferente do intimismo crepuscular de Yamada. Com menos grandiosidade, é todo um mundo mítico que vai morrendo nos filmes do velho diretor, cujos personagens tentam permanecer fiéis a um conceito de honra que a (r)evolução do mundo torna obsoleto. Yamada não tem o olhar de pintor de Kurosawa (mas O Samurai do Entardecer é muito bonito, plasticamente). Ele devolve a dimensão humana de samurais como Seibei e também permite que se veja seu filme como uma arrebatadora história de amor. Um crítico (Alain Spira) já disse que, no universo de Yamada, o amor ocupa mais espaço que os combates. É verdade em parte. Yamada quis filmar os combates mais realistas do cinema, mais até do que nos de Kurosawa e Kobayashi. Seu trabalho obedece a uma rigorosa pesquisa histórica. Combates de samurais nunca eram breves, como nos filmes. Duravam horas e os combatentes, feridos várias vezes, morriam pela perda de sangue. As mulheres também não usavam quimonos elaborados, a menos que fossem altas cortesãs ou damas da corte. Vestiam-se com simplicidade, sem maquiagem. É um filme de dramaturgia tradicional. Talvez pareça démodé para o público que recentemente viu O Último Samurai, de Edward Zwick, com Tom Cruise (e Hiroyuki Sanada). Mas se a tradição está lá, a modernidade também. Cerca de 30 mil pessoas se suicidam todos os anos no Japão, por não resistirem à pressão de uma sociedade competitiva. De alguma forma, isso está no filme, que é belo e triste, expressivo de um cineasta que resiste à desumanização do mundo global. O Samurai do Entardecer (Tasogare Seibei, Jap/2002, 123 min.) - Dir. Yôji Yamada. 14 anos.

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