Recorrer ao humor para abordar situações trágicas é sempre arriscado. Mais ainda quando em questão está o complexo conflito entre palestinos e israelenses. O diretor palestino Elia Suleiman, que concorre à Palma de Ouro com Intervenção Divina (Yadon Ilaheyva), assumiu o risco. Seu filme pode ser controverso, mas é inegavelmente um dos mais originais e provocativos deste 55.º Festival de Cannes. Intervenção Divina toma forma como uma sucessão de vinhetas, ilustrando os absurdos da vida cotidiana nos territórios ocupados pelas forças israelenses. São cenas perturbadoras, pungentes, mas, às vezes, cômicas também. As muitas barreiras humanas nas ruas e estradas, um dos aspectos mais humilhantes do cotidiano palestino, rendem alguns dos bons momentos do filme. Um exemplo é a cena em que o personagem principal E.S., papel do próprio Suleiman, de carro perto de uma barreira, resolve encher uma bexiga estampando a cara do líder palestino Yasser Arafat e soltá-la bem aos olhos dos soldados. Os israelenses pedem autorização para atirar no balão, e, distraídos por ele, acabam deixando o carro andar sozinho. Mesmo assim, o balão voa até Jerusalém, e pára perto do Domo da Rocha, um dos mais importantes santuários muçulmanos. Em outra cena de barreira de estrada, uma bela palestina vestida com minissaia, salto alto e óculos escuros desnorteia os soldados israelenses. O personagem E.S. participa de dois núcleos do enredo: seu pai está morrendo num hospital e ele está apaixonado por uma mulher com quem ele não consegue se encontrar normalmente, porque ele mora em Jerusalém e ela, em Ramallah. Então o casal se resigna a passar horas dentro de um carro num bloqueio de estrada, de mãos dadas e em silêncio. Cenas como estas e outras fazem com que se pergunte por que a organização do festival decidiu programar Intervenção Divina com o filme israelense Kedma, de Amos Gitai, dizendo que se tratava de "uma iniciativa de paz". Gitai mostra os palestinos sofrendo, mas Suleiman não faz o mesmo com os israelenses, embora seu filme seja muito mais bem-sucedido do que Kedma. Suleiman, que classifica seu filme como uma "crônica de amor e dor", nasceu em Nazaré, mudou-se para Nova York e depois para Jerusalém. "Nós, palestinos vivendo em Israel, somos os tímidos", ele diz. "Nossos irmãos e irmãs em Cisjordânia e Gaza são os que nos lembram da nossa existência silenciosa e trágica."