Seminário de cinema culpa governantes

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Por Agencia Estado
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Falta vontade política aos governantes para resolver os problemas. Foi a conclusão a que chegaram os integrantes do terceiro painel, o mais interessante do evento Loucos por Ti América - Cinema Latino-Americano em Tempos de Mercosul, que ocorreu na capital gaúcha no fim de semana. Pelo quinto ano consecutivo, a Secretaria Municipal de Cultura, administração petista, promoveu o seminário que já virou uma tradição na cidade, levando um bom público ao Gasômetro, um importante centro de difusão cultural de Porto Alegre. Em anos anteriores foram discutidos temas como a retomada da produção, a violência, o transe como expressão da arte latino-americana e o erotismo nas manifestações artísticas. Este ano, o tema escolhido foi o cinema do Mercosul, com a realização de três painéis. No primeiro, realizado na sexta-feira à noite, produtores e diretores do Brasil e da Argentina discutiram o tema A Produção de Filmes na América Latina sob o título Longe de Hollywood. Na mesa estavam, entre outros, o diretor Sérgio Rezende e a produtora Mariza Leão, de Quase Nada, que vai concorrer no Fetival de Gramado; o diretor argentino Pablo Tratero, cujo filme Mondo Grua foi bem recebido no circuito dos festivais; a produtora Monica Schmiedt (de Anahy de Las Misiones); e o diretor Beto Souza, que roda atualmente no Rio Grande do Sul, em parceria com o escritor Tabajara Ruas, o longa Netto Perde sua Alma. No sábado de manhã o painel Panorama de uma Cinematografia Periférica reuniu a crítica e jornalista Susana Schild; o crítico agentino Eduardo Antín, que assina com o pseudônimo de Quindin seus textos na revista El Amante, de Buenos Aires; e a pesquisadora Fatimarlei Lunardelli. No sábado à tarde, fechando o encontro, o painel À Margem do Circuito - Distribuição e Exibição colocou na mesa o crítico e diretor-presidente da Riofilme, José Carlos Avellar; o diretor do Festival de Gramado, Esdras Rubin; o diretor do Espaço Unibanco de São Paulo, Adhemar Oliveira; o diretor Cláudio McDowell (de O Toque do Oboé) e o dirigente da Cinemateca Uruguaia, Ricardo Casas. O painel da primeira noite confirmou o diagnóstico a que chegaram os participantes do 3.º Congresso Brasileiro de Cinema, também realizado este ano em Porto Alegre. Os mecanismos de captação são insuficientes ou estão em crise no País, mas o principal entrave é a colocação dos filmes brasileiros (e latinos) no mercado. Mariza Leão apontou de novo para os problemas da distribuição de filmes nacionais. Destacou que o mercado está formatado para a produção estrangeira, leia-se Hollywood, e que sem isonomia o cinema brasileiro fica inviável. Na hora dos debates, alguém quis saber de Sérgio Rezende por que o cinema brasileiro não segue o modelo americano. Rezende não deixou por menos - só se achar alguém para dominar, talvez o cinema argentino, pois o modelo americano se baseia numa situação de dominação. Clientelismo argentino - Pablo Tratero fez um relato interessante dos problemas na Argentina. Lá não existe um mecanismo de captação como a Lei do Audiovisual. Há um instituto nacional de cinema, que dispõe de uma verba (US$ 60 milhões) para fomentar a produção. O problema é que o sistema favorece o clientelismo e os projetos são avaliados por critérios políticos em vez de artísticos. Tratero fez seu filme por US$ 50 mil, o que confirma como pode ser barato fazer cinema no continente. Mas esse barato é ilusório, esclareceu ele. Logo em seguida teve de despender US$ 450 mil para compatibilizar a bitola da rodagem com a do circuito de exibição, pagar dívidas, essas coisas. O filme terminou saindo por US$ 500 mil, um valor ainda assim barato. A questão é: como recuperar o investimento num mercado pequeno como o argentino, com menos de 30 milhões de espectadores anuais, dominado pelo produto de Hollywood? Hollywood foi o vilão exorcizado em todos os painéis. Ao discutir estéticas, Fátimarlei Lunardeli lembrou o cinema de lágrimas (melodrama) e as chanchadas como fases áureas da comunicação do cinema latino (e do brasileiro) com o público. Avellar, até certo ponto, contesta esse dado. Acha que se criou uma mitificação sobre o assunto - "Imprimiu-se a lenda", diz ele, parafraseando o mestre John Ford, do clássico O Homem que Matou o Facínora. Não há dados numéricos confiávies que confirmem esse formidável apoio do público brasileiro às chanchadas da Atlântida. Diversidade - Susana Schild bateu em outra tecla - o empobrecimento do mercado. Lembrou que sua formação foi feita com base numa diversidade hoje inexistente. "Os cinemas passavam tudo - filmes de Hollywood, da Itália, da França, do Japão, da Suécia", lembrou a crítica. Hoje, a geração shopping já teve seus corações e mentes ocupados do cinemão de Hollywood e só quer saber de assistir aos produtos da cinematografia hegemônica. Susana contou o caso de uma jovem pesquisadora do Rio, moça que se prepara para fazer doutorado e não vê filmes brasileiros porque são muito "cabeça". Avellar fez a melhor análise em seu painel. Sim, é um mercado ocupado, no qual precisam ser estabelecidas regras de isonomia para que o produto brasileiro possa tornar-se competitivo. Mas ele citou Marcel Duchamp. Perguntaram certa vez ao artista qual seria a solução para o problema da arte moderna, que não conseguia ser entendida pelo grande público. Duchamp respondeu que não havia solução porque não havia problema. Avellar partiu desse raciocínio. O produto hegemônico (Hollywood) domina o mercado e o público reage ao produto brasileiro porque está condicionado pela maneira americana de filmar. "Nossa fraqueza é nossa força", diz Avellar, para quem é importante que o filme brasileiro permaneça diferenciado, de forma a espelhar o País. A questão do mercado é que talvez seja necessártio criar outro mercado, diferente desse, viciado, que aí está. Os acordos do Mercosul simplesmente não prevêem o produto filme. Há todo tipo de restrição para a circulação desse tipo de mercadoria nas fonteiras dos países do Mercosul. Cláudio McDowell, que fez O Toque do Oboé no âmbito desse mercado, no Paraguai, disse que muitas vezes teve de contrabandear latas de filmes para lá e para cá, porque havia empecilhos demais na hora de passar na fronteira. Avellar também disse que a Riofilme gostaria de promover ciclos de filmes brasileiros nos países do Mercosul (e mostrar no Brasil a produção desses países), mas é muito difícil fazer os filmes circularem. A conclusão foi aquela falada no início - falta vontade política aos governantes para resolver os problemas do setor cinematográfico não só no Brasil (a Secretaria do Audiovisual foi novamente criticada), mas no Mercosul como um todo.

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