Viggo Mortensen está tão curioso quanto qualquer fã da série "O Senhor dos Anéis". O ator que faz Aragorn ainda não viu a parte final do épico que Peter Jackson adaptou da saga erudita de J.R.R. Tolkien, "O Retorno do Rei", cujo título vem justamente da importância que adquire, no relato o seu personagem. "Vi só uma versão condensada de 20 minutos, quando fizemos as entrevistas promocionais em Nova York", ele diz ao repórter. Mortensen passou dois dias na cidade. Chegou na quinta, deu coletiva à tarde, para promover - com bastante antecipação, é verdade - a estréia de "O Senhor dos Anéis - O Retorno do Rei" em 25 de dezembro, e à noite pediu para comer churrasco. A assessoria da Warner, que distribui "O Senhor dos Anéis", levou-o à churrascaria Fogo no Chão. Ele comeu muito, desmaiou, em vez de dormir, e acordou tarde hoje pela manhã. Ainda tinha cara de sono quando deu esta entrevista. Do que viu em Nova York, admite que sobram motivos para estar otimista: "Acho que Peter (o diretor Peter Jackson) conseguiu uma síntese entre a densidade emocional da primeira parte, "A Sociedade do Anel", com aquelas relações sutis entre os personagens, e a excitação e grandiosidade visual da segunda, "As Duas Torres"." Mortensen não sabe explicar direito como ganhou o papel de Aragorn. "O filme já estava começando e Peter não encontrava o ator que queria. Alguém lhe indicou meu nome, ele viu meu trabalho e me aprovou. Agora, para saber o porquê, só perguntando diretamente a ele. Peter nunca me explicou a razão de sua escolha." O filme já estava sendo rodado quando Mortensen chegou ao set, na Nova Zelândia. "Me apresentaram o diretor, eu disse ´Hi, Peter´ e foi esse o nosso primeiro contato." Depois disso, conviveram bastante, mas nunca discutiram em profundidade o livro cult de Tolkien. Mortensen é sincero. Diz que não havia lido "O Senhor dos Anéis". "Comecei a ler no avião e, embora tudo aquilo fosse novidade, ao mesmo tempo comecei a dar-me conta de que era algo conhecido. Tolkien baseou-se em lendas nórdicas, em relatos mitológicos. Aragorn possuía qualidades de outros heróis míticos que eu já conhecia." Não saber muita coisa sobre o livro (e o personagem) terminou por ajudá-lo. "O próprio Tolkien disse numa carta, não me lembro se ao filho ou ao editor, que não sabia quem era esse Aragorn, ao iniciar o livro. Chega aquele homem misterioso e sua história vai-se construindo à medida que ele escreve ´O Senhor dos Anéis´." Mortensen concorda com o repórter. O filme de Peter Jackson constrói-se sobre a necessidade de fazer escolhas morais. "É o que a posse do anel impõe às pessoas", avalia. "Ele não é, em si, bom nem mau, mas sua posse desencadeia o processo que faz com que as pessoas revelem seu lado mais positivo ou negativo. "A síntese dessa fratura interior, entre o bem e o mal está no personagem do Gollum. É o que me agrada em "O Senhor dos Anéis": é um conto moral, mas não um filme moralista. Cria personagens que não são unidimensionais. Todos possuem o lado bom e o lado mau e o resultado disso é que se trata de um filme sobre a compaixão." Mortensen conta essas coisas num espanhol perfeito, enquanto toma seu chimarrão. Filho de pai dinamarquês e mãe americana, conta que viveu dos dois aos 11 anos na Argentina. Da sua vivência na América do Sul, não guarda apenas o conhecimento de espanhol - que fala com sotaque portenho. Além do hábito de tomar chimarrão, adora a música argentina. Que música? "O tango." Tem uma curiosidade imensa pelo Brasil. Olha pela janela do salão no segundo andar do Hotel Hilton Morumbi, na Marginal, e lamenta que vá conhecer tão pouco do País. "Não é o melhor lugar para se ver o mundo, do quarto de um hotel." Mortensen, que nasceu em Nova York em 1958, é o que se pode chamar de multimídia. Ator, é também poeta, fotógrafo, músico e pintor. Publicou um livro de poesias ("Ten Last Night"), expôs seus trabalhos numa galeria de Nova York, há três anos, gravou três CDs de jazz e pintou os quadros de seu personagem em "Um Crime Perfeito" (o thriller com Michael Douglas e Gwyneth Paltrow). Fala fluentemente o dinamarquês. Conta o que tem em comum com Aragorn. "Sou, como ele, um andarilho. Está na minha natureza." Lembra que, de forma sutil no filme, mais detalhada no livro, Aragorn é o homem que faz a ligação entre as diferentes culturas da Terra-Média. "O fato de ser um andarilho lhe fornece elementos para entender a alteridade." É a sua crença número um. "Fui assim, continuo sendo e acho que sempre serei um cara curioso por natureza. Sou atraído por outras culturas, por quem é diferente de mim. Acho que, se não estabelecemos essas pontes, se não tentamos entender os outros, a vida fica mais difícil e é isso que está ocorrendo no mundo atual."