Trip hop. Esse termo surgiu em 1994, na revista inglesa Mixmag, e servia para definir uma música "viajandona" (com eletrônica lenta, vocais retrabalhados por máquinas, influência do acid jazz e do dub) que provinha particularmente de Bristol, artistas e grupos como Tricky, Portishead e, o mais paradigmático deles, o Massive Attack. A dupla Massive Attack, que gestou um som dançável hipnótico, foi a iniciadora do movimento com o embrião de sua banda, o Wild Bunch, que durou pouco. Rebatizada como Massive Attack, virou sinônimo de trip hop, e enfim, em 1998, chegou ao Brasil para o finado Free Jazz Festival a bordo do álbum Mezzanine, maior símbolo desse arcabouço sonoro. Este mês, 12 anos depois, o grupo retorna ao Brasil a bordo do seu quinto álbum de estúdio, Heligoland. Toca no dia 16 no HSBC Brasil, em São Paulo, e já não morre de amores pelo rótulo que o projetou. "Trip hop faz sentido para pessoas que tentam copiar o som do Massive Attack, como o Morcheeba", brinca Grant "Daddy G" Marshall, uma das metades do MA, falando ao Estado por telefone, de Londres. "Foi um amigo que criou esse rótulo, e na época nós achamos bacana, porque continha um humor muito britânico. Quando ele apareceu, os artistas ingleses estavam vivendo de copiar as batidas dos americanos, de um jeito estúpido, sem personalidade. O trip hop trazia algo próprio, uma música original, para alguns uma transmutação psicodélica do hip hop. Assim, os ingleses já tinham um novo ponto de partida", afirmou.Heligoland, o novo show do Massive Attack, traz uma banda com 10 integrantes ao palco. "Nós já tocamos assim há um bom tempo, com DJ, guitarristas, percussionistas, cantoras. A banda foi ficando inteiriça ao longo dos últimos 10 anos, em busca de uma ignição mais orgânica para nossa música. No início, como no hip hop, a gente estava deslumbrado com os samplers, com a descoberta de que podíamos fazer nossa música a partir da música de outras pessoas. Depois, fomos nos obrigando a melhorar como músicos e começamos a mudar isso. A fonte passou a ser nosso próprio material. Foi um processo. Hoje em dia, o show ao vivo é que é uma experiência completa, porque exige flexibilidade, improvisação. É ali que ocorre o excitamento, que corre mais energia", diz Daddy G.Heligoland foi fartamente festejado por promover a reunião do núcleo central do grupo (Daddy G, Robert "3D" Del Naja e Horace "Msuhroom" Andy), e também por alistar um time notável de coordenadores: Damon Albarn (Blur), Hope Sandoval, Tunde Adebimpe (do TV on the Radio), Guy Garvey (do Elbow) e o produtor Tim Goldsworthy, do DFA. Há uma reverência ao tecnopop dos anos 1980 (a canção Rush Minute tem linha de bateria idêntica à de Bela Lugosi"s Dead, do Bauhaus).Daddy G. não amacia quando fala da sistemática do grupo. Demonstra notável sinceridade. Ao regressar ao disco, após 7 anos sem trabalharem juntos em material inédito, ele chegou a dizer a um jornalista britânico que o novo trabalho do Massive Attack seria uma "volta ao negro", como se insinuasse que a banda andou muito branquela nos últimos anos. "Foi só uma expressão engraçada. Nós procuramos fazer uma coisa um pouco mais soul, mas não creio nesse negócio de usar truques para parecer "negro" ou "branco". Isso não existe. Nós amávamos o dub e o reggae antes de isso se tornar um truque moderninho. O que acontece é que este é um disco mais caloroso", explica.Ele ainda comentou a morte recente do reggaeman Gregory Isaacs, em Londres. "O mundo do reggae é cruel às vezes. Você tem Bob Marley como uma espécie de Muhamad Ali, no patamar máximo, e aí os outros não têm a atenção devida. Gregory Isaacs era um dos grandes cantores de estilo doce, maravilhoso, consistente. Infelizmente, não teve uma vida longa, como muitos de seus pares. Mas cantou divinamente", disse. Portishead, Sneaker Pimps, Beth Orton, Neneh Cherry, Tricky, St. Etienne: tudo isso veio depois. Se você quer ouvir o que originou aquele notável verão em Bristol, eis que volta à cidade a célula original.