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Cultura é desigual como a sociedade, diz Weffort

Ministro da Cultura, que se despede do cargo que ocupou por oito anos em janeiro, comenta acusações de que sua gestão subestimou o poder econômico do setor

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Por Agencia Estado
Atualização:

O ministro da Cultura, Francisco Weffort, no cargo há quase oito anos, não pretende seguir no Ministério, nem mesmo numa eventual eleição (e posterior convite) do candidato do governo, José Serra. "A partir de janeiro do ano próximo, voltarei às minhas atividades como professor e pesquisador", disse. Ele procurou a reportagem para comentar texto publicado na última quinta-feira pela Agência Estado sobre a economia da cultura. Agência Estado - O sr. concorda com as conclusões do sr. Luiz Carlos Prestes Filho, que coordenou estudo sobre a economia da cultura - publicado pela Fundação Carlos Chagas Filho, do Rio de Janeiro? Ele acusa sua gestão de negligenciar os dados econômicos do setor. Francisco Weffort - É simplesmente uma bobagem dizer que o Ministério da Cultura negligencia os dados econômicos do setor. Até porque a primeira pesquisa de caráter nacional feita sobre o tema é precisamente uma pesquisa encomendada pelo Ministério da Cultura. É uma pesquisa pioneira realizada pela Fundação João Pinheiro que ressaltou a relevância da cultura como investimento e sua capacidade de criar emprego e de contribuir para o crescimento da economia. Por outra parte, é simplesmente uma tolice dizer que o Ministério da Cultura "impede" que a cultura seja tratada como atividade econômica pelo Estado. Quem diz uma coisa dessas não entende nada, nem de cultura, nem de economia e muito menos do Estado brasileiro. O cineasta Prestes também diz que a gestão do sr. tem agido com a postura de um "Estado mecenas", reeditando o governo Vargas. O sr. refuta essa comparação? Weffort - Dizer que o Ministério da Cultura "reedita a postura do governo Vargas" é outra enormidade. Suponho que o "cineasta" se refira ao Estado Novo, uma ditadura, onde, portanto, qualquer política era baseada numa concepção estatista, intervencionista e dirigista em muitos setores. A política da época trabalhava apenas com recursos orçamentários diretos. Na área cultural, foi menos dirigista do que em outros setores, sob a direção liberal de Gustavo Capanema. A política de cultura atual ocorre em uma época democrática e se apóia em duas leis que se inspiram em uma concepção de incentivos que dependem, essencialmente, do impulso da economia. Na lei, só têm benefícios fiscais ao apoiar projetos culturais as empresas que têm lucros e que pagam Imposto de Renda. A política de incentivos depende da economia e do jogo do mercado, mais do que eu gostaria. É certo que a política atual se vale também de recursos do Fundo Nacional de Cultura, em grande parte derivados de um porcentual da Loteria. A parte referente ao Tesouro, isto é, ao orçamento direto, é a menor, ainda assim indispensável. É só em relação a esta parcela que se pode falar de "mecenato de Estado". Uma parcela que, em minha opinião, deveria aumentar para atender àqueles segmentos culturais que têm mais dificuldade em se apoiar nos incentivos. Aqui, como na Alemanha ou nos Estados Unidos, o "mercado" não atende, nem pode atender, a todas as demandas da cultura. E quem tem alguma idéia dos desequilíbrios estruturais deste país, pode imaginar que aqui alguma presença do Estado será indispensável por muito tempo. O estudo de 1998, encomendado pelo sr. à Fundação João Pinheiro, foi suficiente como diagnóstico da situação? Por que as pesquisas não foram atualizadas? Weffort - O estudo de 1998 da Fundação João Pinheiro ajudou e muito, não apenas o Ministério da Cultura, mas a muitas instituições culturais do País, públicas e privadas. Em plano nacional, a busca de um fundamento empírico para a idéia de que cultura também é investimento começou com aquela pesquisa. Embora o jornalista e, ao que parece, também o "cineasta", se queixe do Ministério da Cultura, a verdade é que este é, até o momento, a única instituição nacional a patrocinar um estudo empírico sobre a cultura em plano nacional. Existem outros estudos, em primeiro lugar na Bahia e, agora, mais recentemente, no Rio, mas todos de alcance regional. Até o momento, não surgiu nenhuma outra pesquisa nacional como a da Fundação João Pinheiro. O governo federal, em 1996, gastou R$ 171 milhões na área cultural: os Estados gastaram R$ 310 milhões; e os municípios, R$ 464 milhões. Esse dado é do IPEA, à disposição na Internet. Não é muito pouco o que o governo federal investe na área? Weffort - Em primeiro lugar, esse dado não é do IPEA, mas de um funcionário do IPEA, Frederico Barbosa da Silva, que realizou um bom estudo exploratório, "um texto para discussão", onde "as opiniões emitidas não exprimem necessariamente o ponto de vista do IPEA ou do Ministério do Planejamento". O dado que o jornalista menciona é de fontes diversas, entre as quais o próprio Ministério da Cultura. Mas como aqui se trata de um pesquisador sério, ele mesmo adverte para as insuficiências de seus próprios números. A cifra de R$ 171 milhões subestima a participação do governo federal. Para considerar apenas o Ministério da Cultura _ que não é o único, no governo federal, a apoiar atividades culturais _, o valor real deveria ser de R$ 266 milhões. A propósito de diferenças nos números, diz o próprio pesquisador: "É possível que parte dos recursos finalísticos do Minc sejam executados pelas próprias instituições vinculadas, em parceria com elas ou com outras instituições privadas, mas também em convênios com Estados e Municípios. O financiamento de projetos por meio do Fundo Nacional de Cultura não foi avaliado." Além disso, ao avaliar os gastos federais de 1996, o pesquisador esclarece que "foram desconsiderados os (recursos) provenientes de incentivos fiscais". Quanto à referência do jornalista ao PIB cultural como sendo de R$ 10 bilhões, me parece uma estimativa um tanto exagerada. Ainda assim, a presença do setor público em cultura é menor do que deveria ser, considerando-se o volume da atividade econômica na área. Já era esta a conclusão que tirávamos da pesquisa da Fundação João Pinheiro. Somando todos os níveis do setor público, federal, estadual e municipal, passa dos 10% do movimento econômico da área. Aproximadamente 70% dos recursos públicos ainda são destinados às regiões Sudeste e Sul do País. Isso é apontado em todos os estudos. O que se fez para minorar essa distribuição desigual? Weffort - O Ministério da Cultura tem se empenhado em utilizar os recursos orçamentários diretos para diminuir a desigualdade da distribuição. É evidente que isso não é o bastante, pois os recursos de orçamento direto são muito menores que os recursos incentivados. Além do esforço constante por aumentar o orçamento direto, uma das soluções, pela qual tenho batalhado já há alguns anos, seria a de oferecer um estímulo adicional para as empresas que invistam em cultura em outras regiões, além do Sudeste. O sr. acha que é papel do Estado fomentar atividades como o Carnaval carioca, com fins a estimular o crescimento da indústria cultural? Weffort É nisso que dá inflar as cifras do Carnaval carioca. Se o movimento em dinheiro do carnaval carioca chega a R$ 1,5 bilhão (estimativa de Carlos Lessa, da UFRJ), por que deveria o Estado preocupar-se com isso? Em primeiro lugar, a ajuda de Estado ao Carnaval carioca é muito menor do que se pensa. Em segundo lugar, qualquer pesquisador sério deveria se perguntar também quanto dinheiro rende o Carnaval carioca para o Rio de Janeiro. Perguntar não apenas pelo quanto se gasta mas também pelo quanto volta do investimento feito. Se o estatismo não é solução para área cultural, o privatismo, por sua vez, pode levar a enormes desastres, como no governo Collor. Ao final da Bienal do Livro, pesquisa da organização mostrava que somente 2% dos freqüentadores eram das classes D e E, as mais desfavorecidas economicamente. Por que ainda é tão desigual a distribuição da cultura no Brasil? Weffort A distribuição de cultura através do mercado é tão desigual quanto a própria sociedade brasileira. É por isso que o Estado tem de estar presente buscando pontos de equilíbrio mais favoráveis a uma distribuição cultural mais democrática. O governo americano ameaçou retaliar o governo brasileiro por considerar que o Estado não combate a pirataria. O sr. acha que o Estado brasileiro tem se empenhado nessa questão? Weffort A maior parte do material pirateado no Brasil vem do exterior. Ao contrário de políticas de retaliação contra o Brasil, o governo americano deveria dar-se conta de que também tem telhado de vidro. Se é para tomar este assunto a sério, há que considerá-lo como um tema que envolve as relações entre os dois países e que tem de ser tomada com seriedade dos dois lados. Só teremos possibilidade, no Brasil, de controlar a pirataria quando aumentarmos a informação e o controle de Estado sobre os produtos culturais. Há tratativas em curso a respeito e que dependem, em grande parte, da cooperação das empresas do setor, diversas sediadas nos Estados Unidos. Determinados setores da TV, indústria cultural mais desenvolvida do País, ainda recorrem ao apoio de fundos do Estado para se estabilizar, caso da Globocabo. Qual sua opinião sobre esse tema? Weffort - O caso da Globocabo foi resolvido no BNDES com base em critérios econômicos normais nas relações entre o banco e as empresas. Isso não tem nada a ver com a política de incentivos culturais.

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