Interpretando personagem vingativo de Strindberg no teatro, Gianecchini revela o lado penoso do sucesso.
Em Cruel, de Strindberg, que acaba de estrear no teatro Faap, Reynaldo Gianecchini encarna Gustavo, um personagem que não consegue superar o passado. Gustavo é vingativo, rancoroso, tem feridas incuráveis. Gianecchini diz que não tem nenhuma dessas características. Não guarda mágoas, mas também não esquece. Lembra-se de cada episódio envolvendo questionamentos aos méritos de sua atribulada e meteórica ascensão ao estrelato: "Fui achincalhado", ele reclama, ao se referir a críticas que recebeu no início da carreira, quando, na vida real, formava com Marília Gabriela o casal mais inusitado da telinha. Nessa história, era visto como uma espécie de "cinderelo", como ele próprio descreve: "Não foi exatamente lindo", diz, com ar de quem já passou por muita coisa, não é mais verde na vida e não recusa perguntas, nem sobre maconha, parada gay e a polêmica do Pintos Shopping. Como você se preparou para encenar o texto de Strindberg?A peça fala de como somos capazes de ser cruéis em um relacionamento. Fui casado, conheço essas mazelas e tive de buscar internamente as minhas feridas. A preparação foi muito nos ensaios, com o diretor Elias Andreato. Também li a biografia do Strindberg, que era um esquizofrênico atormentado, porque o texto tem muito a ver com o seu universo.
Quais são os traços psicológicos do seu personagem?O Gustavo foi muito machucado e não conseguiu superar. Então, volta para destruir as pessoas que o destruíram. Ele poderia chegar com uma arma para matar, mas conduz o outro ao abismo com a palavra. É muito mais cruel, porque ele vai matando aos poucos. Fazer esse vilão contido é um trabalhão.
Você tem um lado Gustavo na sua personalidade?Não exatamente, não sou uma pessoa que sai por aí exercitando seus instintos. Mas já me surpreendi numa discussão que trouxe um bicho que tem dentro de mim, que eu desconhecia. Fiquei enlouquecido, de perder o controle.
No começo da carreira você foi criticado por sua atuação na TV. Como lidava com isso?É difícil. Não fui criticado, fui achincalhado. As pessoas tinham um pouco de birra porque fiz sucesso rápido. Óbvio que era o primeiro a saber que eu estava verde. Mas, ao mesmo tempo, desafio alguém a fazer televisão sem experiência. É uma loucura. Dei meu melhor. Você não conhece o personagem, não há tempo pra decorar nem para ser dirigido. Era impossível fazer um bom trabalho. Fui com o coração aberto, para aprender; não estava lá para minha mãe ficar orgulhosa.
Você se arrepende de algo?De nada. Tive uma história que, aos olhos de muitos, parece a do "cinderelo". Mas sei o que passei, o que tive de correr atrás. Não foi exatamente lindo.
Na pré-estreia da sua peça, Silvio de Abreu disse que, por ser bonito, as pessoas não te dão o valor que você merece. Acho que há resistência em aceitar o trabalho de quem é bonito ou de um bem sucedido que se propõe a fazer algo diferente. Por exemplo, a Marília, que é uma jornalista que já provou milhões de vezes ser incrível. Ela se propôs a fazer teatro e a cantar - fez os dois muito bem. Mas alguns torceram o nariz. Parece que as pessoas ficam p..., como se estivesse roubando um lugar que fosse delas.
Você se apaixonou por uma mulher mais velha. O que te atraiu nesse relacionamento?O que me atrai sempre é o conjunto da pessoa. Trabalhei dez anos como modelo, vi as mulheres mais lindas. Apareceu alguém que ofereceu algo que não é só aquela carcaça de beleza, que tem conteúdos outros, isso torna a pessoa sexy. Foi mais do que natural eu me apaixonar. Ela podia não ter a bundinha mais durinha, mas tem um bom humor maravilhoso. A química não se explica.
Ter casado com a Marília Gabriela foi um marco na sua vida profissional?Diretamente, não. Ela me ajudou, principalmente quando estreei, com conselhos, com a segurança que ela tinha por já estar um pouco nesse meio. Foi uma barra bem pesadinha, ela me deu apoio de companheira. Devo milhões de coisas à Marília.
Como você reage a assédio?Me incomoda um pouco o assédio físico. Até entendo as pessoas ficarem loucas com a questão da televisão. Mas o assédio das mulheres é muito maluco: elas gritam, tem uma hora que você tem de sair correndo, vira um tumulto tão grande. Mas do assédio tranquilo eu gosto.
Em publicidade, o que você leva em consideração para escolher os trabalhos?É importante ser um produto em que você acredita. Não sou mercenário. A propaganda do Pintos Shoppings virou piada na internet.Não entendi muito. Acho que foi meio exagerada a polêmica. Como piada achei legal, fui o primeiro a rir. Juro, pesquisei as pessoas que me ofereceram esse trabalho. É um império de uma família absolutamente idônea, que construiu, com muita dedicação, um shopping que, por acaso, tem o nome Pintos. As pessoas ficam excitadas com esse nome. Nasci em Birigui e a casa mais popular, mais f..., de material de construção chamava Pintão e nunca ficávamos pensando numa 'pirocona', porque era a família Pintão. Não existe sentido em recusar algo por causa do nome.
Como era o slogan?"Tudo que você mais gosta no lugar que você sempre quis". Porque era a primeira vez que eles juntaram todas as lojas megafamosas que estavam espalhadas num shopping center lá no Piauí. Quando apareceu na internet esse barulho todo, eu ri muito. Falei: "Gente, como eu não me dei conta?". Agora, você passar do ponto, achincalhar, dizer que me queimei com isso. Não me queimei nada, fiz um trabalho absolutamente honesto e faria tudo de novo.
Você já está rico?Nós somos muito menos ricos do que merecíamos. Somos objeto de conversa em todas as mesas de restaurante, porque você apareceu na TV, no teatro, porque o seu corte de cabelo não está bom. Além disso, tem a imprensa marrom, que fala horrores da sua vida, mentiras, usa sua imagem de todos os jeitos possíveis para vender a p... da revista dela. É uma exposição em todos os níveis.
Você aprova a legalização da maconha?Talvez fosse o caso de fazer uma tentativa para ver se não melhora a situação do tráfico. Não curto droga nenhuma, gosto da minha bebidinha com moderação. Quem gosta de droga tudo bem, que faça com moderação. Cada um na sua.
É a favor da legalização do casamento gay?Sou a favor da felicidade, de as pessoas buscarem o que querem. Conheço um casal de lésbicas, inclusive, com filho, que é megacareta, no sentido da proteção. Elas têm uma base familiar de uma solidez impressionante. Então, legalizar o casamento é uma forma de proteger os direitos dessa família.
Gostaria de ter filhos?Olha, esse universo de criança está me rondando forte, e eu gosto muito. Mas não tenho planos, vou vivendo.
PAULA BONELLI