Lá pelo começo dos anos 90, era comum a piada, cheia de veneno, sobre o quanto era comum ver Gilberto Gil e Caetano Veloso se posicionando em entrevistas sobre diversos assuntos. Sempre com muito a dizer, os dois eram - e ainda são - o tipo de entrevistado que dá um verniz especial a qualquer reportagem. Mas em tempos de polêmicas apressadas, espanta a velocidade com que as discussões são levantadas e a quantidade de gente disposta a polemizar.De briga de assistente de palco a declaração supostamente malcriada de estrela global, não se passa mais um dia sem polêmica. E lá vamos nós discutir - dos botequins aos gabinetes de Brasília.Numa das polêmicas da última semana, por exemplo, a Secretaria de Políticas para as Mulheres deu apoio aos metroviários de São Paulo, que pedem o fim do quadro do Zorra Total com as personagens Valéria (Rodrigo Sant'anna) e Janete (Thalita Carauta). A avaliação é que a dupla, sucesso popular do momento, incentiva o assédio sexual nos vagões.Quer dizer que a Janete, sempre alegre nas suas idas e vindas no trem fictício, seria capaz de fazer algum tarado reprimido se revelar num lotação qualquer da vida real? É o quadro que inspira o tarado ou é o tarado que inspira o quadro? Será que os personagens não levam o mérito por tocar num assunto do qual quase não se fala?Aqui no Rio, chegou-se ao ponto de criar vagões de metrô exclusivos para mulheres. E olhe que isso foi em 2006, muito antes do quadro do Zorra. É claro que eu preferiria que as pequenas lá de casa não ouvissem "bolinar" tão cedo - o bordão "Valéria, este homem está me bolinando" ganhou o País. Mas a realidade é imperativa, e o humor se alimenta dela. A melhor lição vem do mestre Chico Anysio, de quem eu ouvi outro dia: "O humorista não tem a obrigação de consertar nada, mas o dever de mostrar o que está errado."
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