Depois da infeliz "crônica pop de uma morte anunciada" da cantora britânica Amy Winehouse, que vai nos privar de ver andamento em sua carreira turbulenta, errática, mas sempre interessante (a não ser que o tal "próximo disco" saia, ainda que póstumo), podemos enxergar sua curta carreira de várias maneiras. A da voz de contralto privilegiada, a de seus excessos enquanto arma para entender a bagunça de sua vida público-privada, a de fazer despontar uma quantidade infindável de cantoras mulheres (a redundância aqui é proposital) nas paradas britânicas, a do resgate da soul music para um público jovem e guitarreiro.Mas talvez seja mais bonito ver Amy Winehouse dentro de contexto geracional sincero e simples a qual ela esteve inserida e que por alguns motivos foi luminar. Ela era capaz de fazer de uma cotidiana e mundana ida a um bar uma linda letra de música. A amiga "pop/reggae" Lily Allen, o rapper The Streets e o grupo de rock Arctic Monkeys, nisso, são excelentes parceiros de Amy.Enquanto a primeira fez a fama com uma música sobre um "pé-na-bunda", o The Streets chegava perto do "rap perfeito" narrando a ida a um pub para ver um jogo de futebol ou o Arctic Monkeys descrevia como era tratado pelos seguranças na fila de entrada de um clube, Amy estourou mundialmente com suas conversinhas com o pai sobre se devia ou não ir a uma clínica de reabilitação para tratar de seu vício em drogas e bebidas (Rehab). O pai dizia que ela estava bem, ela preferia ficar em casa com o namorado e na conversa com o doutor dizia que não tinha ideia de por que precisava de ajuda médica. Isso sempre disse muito sobre Amy no artístico e no pessoal, não?Uma das canções mais belas, seja no conjunto de sua obra, seja na música inglesa no geral, é You Know I"m No Good, cujo título já diz muito do recado que Amy sempre quis passar para quem quisesse ouvi-la. Na música, ela contava de brigas com o namorado, de traições com o ex, de conversas no bar regadas a cerveja Stella Artois. É o cotidiano besta de uma "inglesa comum" nas paradas de sucesso do planeta todo.Repare: com Amy Winehouse, Arctic Monkeys, The Streets, Lily Allen e um monte de outros, não existe poesia na letra, definições elocubrativas sobre o amor e a vida. A não ser que isso tudo seja pintado com as cores de um cotidiano ordinário. A letra dessa moçada da nova música dá a letra de suas vidas. No caso de Amy, passamos a conhecê-la tanto por suas canções que sua morte nem chega, assim, a ser uma surpresa. Estava escrito em suas músicas.LÚCIO RIBEIRO É COLUNISTA DO C2+MÚSICA
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