Ficção desvairada

Aguinaldo Silva critica exageros nas novelas e fala de Fina Estampa, que estreia em agosto

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Entrevista

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Aguinaldo Silva

TELEDRAMATURGO

Com quase 30 anos de experiência como autor, Aguinaldo Silva sabe que toda novela tem uma espécie de trama paralela, que se desenvolve nos bastidores e na imprensa à revelia dos envolvidos. Se é assim, o autor não se deixa intimidar e, muito pelo contrário, bem que se diverte com os ecos que costumam surgir dos comentários bem-humorados, muito sinceros e quase sempre ferinos postados no seu portal, o aguinaldosilvadigital.com.br, plataforma de lançamento de polêmicas televisivas - e de outras searas também. "Sentia falta de emitir a minha opinião. E hoje as pessoas parecem que têm medo de falar, criam um tipo e ficam presas", diz ele, que deixou a carreira de jornalista para escrever para a televisão no começo dos anos 80 - e não voltou mais.

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O dia a dia intenso das redações com certeza contribuiu para lapidar seu estilo de teledramaturgia. Mas ele garante ao Estado, sentado no sofá de sua casa na Barra da Tijuca, que se vê como um "ficcionista desvairado". Ficcionista mais feminino e mais romântico do que na sua novela anterior, Duas Caras (2007), ele se prepara para voltar ao horário das 21h da Globo com Fina Estampa, trama que substitui Insensato Coração em 15 de agosto. É a 14ª novela do autor, que assinou sucessos como Tieta (1989) e A Indomada (1997), além da emblemática Roque Santeiro (1985), que está de volta, no canal Viva.

Lilia Cabral, como a protagonista Griselda, é uma mulher que trabalha como "marido de aluguel", um faz-tudo doméstico que anda de macacão e assim criou três filhos. Passadas algumas reviravoltas, eis que Griselda fica rica. "O tema principal é: o que vale mais, a aparência ou o caráter?", adianta o autor na entrevista a seguir.

Você escreveu que Fina Estampa não é uma novela nem melhor nem pior do que as outras, mas uma novela diferente. Por quê?

Porque as todas as tramas dela têm uma direção que segue o cotidiano das pessoas. O público vai reconhecer os personagens como se fossem vizinhos, nenhum deles é exótico demais ou vilão demais. É, digamos, uma novela neorrealista.

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Mas você vê uma diferença clara com relação a Duas Caras?

 

Duas Caras é hiper-realista, o cotidiano ali era transfigurado, era um suposto realismo visto através das cores da ficção. Embora Fina Estampa também seja ficção, ela tem uma preocupação com o cotidiano das pessoas, e isso é o que vai fazer diferença na novela. Nada é excepcional. Estamos numa época em que as novelas estão muito fora do normal. É tudo muito exacerbado, um monte de gente morrendo o tempo todo. A minha não vai ter nada disso.Quando começa a estruturar uma nova novela, você parte do tom que pretende dar ou de uma história específica? Primeiro, da história. Eu sou ficcionista. Tem autores de novela que são cronistas, como o Manoel Carlos. Mas eu sou um ficcionista desvairado. Crio histórias, estruturo os personagens e daí penso na cara que a novela vai ter. Por fim, penso nos atores, que vêm por ultimo na lista das minhas preocupações. Curioso, porque há autores que preferem escrever para um elenco já definido.Eu não conseguiria fazer assim. E mesmo quando eu já tenho o elenco de uma novela definido, só vejo os atores nos personagens quando ela estreia. Quando o autor escreve pensando no ator, a personalidade do personagem acaba contaminada. A ação de Fina Estampa está centralizada numa mulher, como você já havia feito, com grande sucesso, em Senhora do Destino. Por que a decisão de voltar agora ao universo feminino?Porque eu acho que é o que as pessoas querem ver nas novelas: grandes mulheres. Adoro escrever para as mulheres, mais até do que para os homens. A transformação pela qual elas estão passando é material fascinante para um ficcionista.E a Griselda (Lilia Cabral), sua protagonista, também passa por uma grande transformação, não?Sim. É uma mulher que começou a fazer pequenos trabalhos domésticos na vizinhança para conseguir criar os filhos e acabou se tornando boa nisso. Mas esse trabalho acaba por masculinizar a mulher, então ela está o tempo todo de macacão, não tem como se cuidar. Em certo momento, levada pelas ações da suposta vilã, ela entra em choque com esse lado masculino e começa a se olhar no espelho. E o tema principal da história é: "o que vale mais, a aparência ou o caráter?". Você disse que fez questão de ter um ator heterossexual no papel de Crô, um homossexual afetado que será interpretado por Marcelo Serrado. Por quê?Porque o ator heterossexual, quando é bom, aborda o personagem homossexual de maneira diferente. Ele vê a coisa de fora. O ator homossexual tem uma tendência a reproduzir os estereótipos, por incrível que pareça. Fora isso, ele se sente comprometido com o personagem e começa a defendê-lo. Para esse personagem, eu não queria isso. E tem um dado importante: a devoção que ele tem pela Tereza Cristina (Christiane Torloni). Na verdade, ele é completamente apaixonado por ela, e esse jogo pode ficar mais rico dessa forma.A composição do elenco de Fina Estampa teve várias idas e vindas. É impressão ou está cada vez mais difícil escalar elenco?Graças a Deus, está - o que significa que tem bastante trabalho para nós, autores. Mas há também uma certa pressa - e aí eu vou fazer uma autocrítica - dos autores em anunciar nomes e uma pressa da mídia em considerar esses nomes como definitivos. Daí as idas e vindas. Mas tudo isso faz parte do jogo e é muito interessante que os bastidores da novela causem tanto rumor assim na mídia. E você, que é um jornalista da velha guarda, é mestre em chamar a atenção no seu portal de notícias. Chega a se divertir em momentos como aquele em que declarou que a Meryl Streep participaria de Fina Estampa, o que causou o maior reboliço? (Risos) Eu me divirto... No caso da Meryl Streep, eu disse que uma estrela internacional ia participar da novela. Era o Rodrigo Santoro, que no final das contas acabou não podendo fazer. Mas eu achei que todo mundo fosse entender que era o Rodrigo Santoro. Quem mais seria? Daí, a Veja Online me perguntou: "Você disse que terá uma estrela internacional na novela, quem é?". Eu dei uma risada e falei Meryl Streep. Eles acreditaram e publicaram.Lembro que em Duas Caras você usava a Gioconda (Marília Pêra) como alter ego para dizer um pouco do que pensa. Tem alguém assim nesta novela?Tenho sempre um personagem assim. Desta vez são dois: a Tereza Cristina (Cristiane Torloni) - que fala muitas coisas que eu falo - e a Tia Iris, personagem da Eva Wilma, que diz "eu falo porque tenho idade para falar". É um pouco o que eu penso sobre mim mesmo neste momento. Chega de ficar fingindo!Nada, então, de bancar o politicamente correto...Mas o grande inimigo do folhetim é o politicamente correto. Porque se você não pode mais dizer que alguém é anão, fica meio difícil fazer novela. Você já tem o porteiro eletrônico, o celular, o teste de DNA, e além disso você não pode mais usar as expressões fortes que fazem a novela? Vai falar o quê, então?

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