Fred Hersh faz sua 1ª gravação depois do ''trauma''

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Por João Marcos Coelho
Atualização:

São raros os seres humanos que conseguem superar a experiência radical de um coma profundo por dois meses e emergir para a consciência após permanecerem entre a vida e a morte por tanto tempo. Quando isso acontece, o retorno marca uma espécie de súmula da vida passada e a vontade inaudita de "entender o que é a vida".Essas são as palavras que o notável pianista de jazz norte-americano Fred Hersch encontrou para definir seu atual estado de espírito. Ele tem aids desde 1985 e, em 2008, após gravar o CD Fred Hersch Toca Jobim, agora lançado no Brasil, passou pela terrível experiência.Teve de reaprender a viver, readquirir o movimento das mãos - reaprendeu a tocar, enfim. Whirl, sua primeira gravação após o trauma de 2008, é uma dupla vitória. Pessoal, com certeza; mas, sobretudo, artística. Ele permanece de posse de seu admirável e refinado toque. Mas está mais calmo: tece sem pressa, saboreando cada nota e cada acorde, os delicados contornos de seu universo estético, e encontra parceiros ideais porque sóbrios em John Hebert no contrabaixo e Eric McPherson na bateria. São dez as faixas do CD lançado há poucos meses no mercado internacional pela Palmetto Records. Todas ricas de significados emocionais e musicais propriamente ditos. De um lado, é um beija-mão de seus ídolos carregadíssimo de emoção. Como o tributo a seu professor no New England Conservatory de Boston, o injustamente pouco conhecido pianista Jaki Byard, excepcional virtuose na melhor linha monkiana. Intitula-se Mrs. Parker of K.C. e é, por sua vez, também um tributo, só que à mãe de Charlie "Bird" Parker, um dos gênios do jazz moderno.Em extensa entrevista de quatro páginas na edição de dezembro/2010 da revista DownBeat, Hersch diz que "minha música é quase sempre programática", isto é, nasce a partir de motivos extramusicais. Como Whirl, imaginada a partir da elegância da dança de Suzanne Farrell, retratada na faixa-título. Não custa lembrar que "whirl" significa turbilhão, redemoinho, rodopio. O impulso que o leva a criar tanto pode vir de seus heróis artísticos quanto emocionais. You"re My Everything, o clássico de Harry Warren de 1949, serve de mote para declarar seu amor ao companheiro Scott Morgan. A belíssima Snow is Falling foi provocada pela contemplação da neve caindo pela janela "em nosso refúgio na floresta da Pensilvânia". Nem por isso deixa de evocar a perda do ser amado numa esquecida canção de 1931 que foi sucesso no trompete e na voz de Louis Armstrong. Esquecida, mas maravilhosa: When Your Love Has Gone.A independência das mãos, com destaque para uma espécie de alforria da mão esquerda (algo que, aliás, passou para um de seus alunos mais famosos, Brad Mehldau), é característica que permeia toda a gravação. Como na buliçosa Skipping, em que uma exploração de ritmos e sobreposições harmônicas se inicia com bebopianas oitavas na exposição do tema. A derradeira faixa do disco é um manifesto pessoal e artístico que avisa: Still Here. Estou aqui, sussurra Fred Hersch com sua sutileza habitual: tonalidade menor, balada tranquila, com direito a momentos de calmas evoluções de seu piano inconfundível.

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