RIO - Faz três anos que Gerald Thomas decretou em manifesto que sua vida no teatro havia terminado. "Eu determinei que os tempos de hoje não refletem teatro e vice-versa. Também não estou a fim de criar o iTheatro, assim como o iPhone ou o iPod", justificou. Não tinha mais o que argumentar, então se calou. O silêncio acabaria já no ano seguinte, 2010. A retomada foi em palcos de Nova York, Londres, São Paulo, Curitiba. No Rio, sua primeira cidade, nada. Os últimos espetáculos foram em 2007. O dramaturgo e diretor está de volta. Mas só entre esta segunda-feira e o dia 29, no Teatro Poeira. Não encenando um de seus textos ou adaptações, e sim para o seminário Gerald Thomas Fala e Ouve, dentro do projeto Artista Visitante que a casa de Marieta Severo e Andrea Beltrão mantém. As inscrições valeram para o meio teatral e o público em geral. Ainda no Rio, ele discute com sua editora o projeto de um livro com seus desenhos. Em texto publicado no site do teatro, ele lamenta: "É com enorme tristeza que tenho passado pelo Rio como um mero turistinha, passando de táxi pelos teatros em que me apresentei". Para depois se revelar: "Falo pelos cotovelos, escrevo pela boca e me estresso com tudo. Uma das coisas que mais me afligem hoje em dia nesse mundo teatral é o contato entre aqueles que ''fazem'' o teatro acontecer". Quer mudar isso, ainda que tenha que abandonar temporariamente o trabalho na nova empreitada, em Nova York: uma montagem de The Ghost Sonata, peça de três atos de Strindberg, de 1907, transformada em ópera em parceria com o baixista John Paul Jones, ex-Led Zeppelin, e a holandesa Helen Cooper. A estreia será em 2014 na English National Opera, em Londres, e depois no Festival de Salzburgo, na Áustria. Gerald deu entrevista ao Estado por e-mail.O que pretende trocar com a classe teatral e o público do Rio neste seminário no Teatro Poeira? Quer mais falar ou ouvir? Estou precisando ouvir. Também tenho muito o que falar. Com a minha experiência e “maturidade”, vai-se aprendendo a querer trocar experiências com outros porque o mistério da vida e da morte não mudou...Em texto escrito sobre essa vinda ao Rio, você lamenta ter perdido o contato com a sua cidade. Sente-se igualmente pouco identificado com o teatro que se faz no Rio e em São Paulo? O que sabe da cena das duas cidades? Desculpa se eu não consegui ser explícito, mas não me refiro ao Rio como uma “cidade perdida” na minha vida profissional. Só digo que fiz muita coisa pelo mundo desde 2008, menos no Rio. Nunca me identifiquei com teatros relacionados a cidades e sim a pessoas, autores, diretores, atores. E eles ou elas podem ser de Zagreb, na Croácia, ou em Porto Alegre, tanto faz.Acredita que o Rio não se interessa pelo seu teatro hoje, passados cinco anos de seus últimos espetáculos na cidade? Isso você terá que perguntar ao Rio. Tenho uma boa proposta pra levar a London Dry Opera Company com Gargólios (última peça que trouxe ao Brasil, dois anos atrás) em 2013 pro Rio e comecei a ensaiar em Londres com o Ney Latorraca e o Edy Botelho a peça que escrevi pra eles, Entredentes. Então, o Rio está muito nos meus planos, sim. Vou aproveitar essa estada pra continuar os ensaios e pra terminar o meu livro de pinturas, desenhos e ilustrações que sai pela Editora Cobogó ainda esse ano. O Rio não parece estar dentro dos meus parâmetros. O que quis dizer com isso? Não sei. Saiu sem querer (risos).Sua agenda tem programação até 2016. São muitos projetos diferentes?Tem Hemingway, the opera, baseado em três gerações de Hemingways, partindo do meu trabalho com o John Hemingway e seu livro Strange Tribe. Tenho Akhnaten, com o Philip Glass, projeto antigo, mas que sai em 2015. E ano que vem faço uma retrospectiva dos meus Becketts em Dublin e em Cork, na Irlanda, terra de Beckett. Não te exaure viver “no risco e do risco”, como diz? Não, de jeito nenhum. A arte (qualquer uma) não passa de um experimento. Pouco sabemos sobre nós, humanos. Nada sabemos e nada aprendemos com a história. Cabe à arte explorar nossos defeitos e falhas, e expô-las como feridas pra que as regras do jogo sejam mudadas.Acredita que ainda é pertinente te chamarem de “enfant terrible do teatro brasileiro”? Isso não cabe a mim. Mas esse enfant não tem idade. Artaud e Brecht foram enfants até o fim. Mas se o termo não me couber mais, pode me chamar de grande poire terrible, ou “a grande pêra terrível”.Do manifesto de 2009 para cá, como refez seu discurso? Parei em 2009, quando passei por Amsterdã e me deparei com um autorretrato de Rembrandt que sempre amei - só que dessa vez eu estava com 55 anos e ele, quando o pintou, também estava. Escrevi meu “manifesto” e quase parei. Mas logo depois (uns 6 meses depois) fundei a London Dry Opera Company e voltei. Voltamos.