Fã - muito e há muito - da música de Gilberto Gil, o violoncelista e arranjador Jaques Morelenbaum sempre a percebeu de forma especial. "Podia ser só a voz e o violão, e eu ouvia uma sinfônica ali dentro." Pois aquilo que os ouvidos e o coração do músico sentem vão se materializar no palco do Teatro Municipal do Rio na noite de segunda-feira. Gil vai apresentar delícias de seu repertório de meio século (bem) acompanhado da Orquestra Petrobrás Sinfônica, regida por Carlos Prazeres e também por Jaques. É ele o autor dos arranjos, preparados para a ocasião. O concerto integra a Série MPB & Jazz, criada em 2004 e que já teve convidados como Dominguinhos, Edu Lobo, Jacob do Bandolim e Noel Rosa.Algumas músicas do início da carreira de Gil foram gravadas originalmente com base em orquestrações que se tornaram icônicas, como Domingo no Parque e Panis et Circenses - um clássico que ele deixou de lado por 40 anos e que só incluiu em shows recentemente. "É uma responsabilidade gigantesca botar o dedo na música de um artista que admiro tanto, ainda mais no caso dessas que passaram pelo Rogério Duprat, o papa dos arranjadores brasileiros", diz Jaques, que teve o cuidado de pedir a Gil que gravasse as 13 músicas ao violão, para que pudesse, a partir da observação de cada intenção, eleger timbres, desenhar contrapontos e propor diálogos com a melodia principal. O resultado desse artesanato musical, de quatro cuidadosos meses de elaboração, tem agradado muito a Gil. "As canções mais baladísticas, mais suaves, caem muito naturalmente (na orquestração). A orquestra é como um colchão de ar em que as vozes e as acentuações rítmicas tombam com leveza", ele avalia. "Estrela é uma que cai como uma luva. Panis et Circenses, que ficou no repertório do Caetano e depois chegou a uma outra geração com a gravação da Marisa Monte, é uma das que mais me comovem. Andar com Fé e Oriente ficaram muito bacanas. Domingo no Parque herdou muito do Duprat. Depois de um show na Bahia (com outra orquestra), uma espectadora veio me dizer que nunca gostou de mistura de música sinfônica com popular, mas ali tinha gostado."Europa. Animado, Gil conta que levará o show nesse formato em julho para Londres (por ocasião dos Jogos Olímpicos) e para o Festival de Montreux. Depois, já sem orquestra, parte para mais 14 cidades europeias. Essas apresentações darão continuidade a uma série chamada Concertos de Cordas e Máquina de Ritmo, em que vem tocando com um quarteto: Jaques (cello), o filho Bem Gil (violão), Nicolas Krassik (violino) e o percussionista Gustavo di Dalva. A formação se repete no Municipal. E Gil terá ainda um momento sozinho no imenso palco.A porção autoral tem clássicos: Eu Vim da Bahia, Lamento Sertanejo, Expresso 2222. Ele também passará por composições menos conhecidas (Futurível, Eu Descobri, as recentes Não Tenho Medo da Morte, Minha Princesa Cordel) e por mestres que sempre reverenciou, como Caymmi (Saudade da Bahia), Tom (Outra Vez) e a dupla Gonzagão e Humberto Teixeira (Juazeiro). A noite terá também Hendrix (Up From the Skies) e o tema instrumental de seu repertório (tocado mais por outros músicos), Um Abraço no João.Produtora da série, Giselle Goldoni Tiso conta que sua intenção inicialmente era chamar Gil para um tributo a Gonzagão. "Mas percebi que ele tinha Gonzagão, Jackson do Pandeiro, tudo na própria obra", explica. "Temos grandes arranjadores em nossa história. Músicas não compostas para orquestra podem funcionar muito bem nesse formato." O público interessado é um demonstrativo do que ela diz. Os ingressos para o Municipal acabaram num dia. Dada a procura, serão instalados dois telões na lateral do teatro que dá para a Avenida Treze de Maio. Para quem ficar mesmo de fora, o show será lançado em DVD, com direção de Andrucha Waddington (dos imperdíveis Tempo Rei e Viva São João!).
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