Minha mãe dizia que, ao se casar, sonhava ter doze filhos. Ela afirmava que uma mesa, com o casal nas pontas e uma dúzia de crianças, era uma cena linda. Teve quatro, todos de parto natural. Talvez a experiência real tenha sabotado a fantasia. Reduziu sua vida materna a um terço do projeto no dia de bodas.
Era indisfarçável a alegria dela quando, em todos os almoços, via os filhos (dois de cada lado), com ela e meu pai à cabeceira. Tratava-se de um mundo ordenado, belo e, diante dela, com pratos e talheres, perfilava-se a obra máxima da existência: sua família.
Com o tempo, fomos saindo de casa. As datas, como o Dia das Mães e o Natal, passaram a ser o momento de reconstituir o grupo. Com o surgimento de genros, noras e netos, o número de doze filhos foi atingido com a fertilidade da geração seguinte. A foto com minha mãe, cercada da família, era um nirvana especial para ela. Se alguém precisava passar uma festividade em outro lugar ou com outra família, ela dizia entender, mas, como uma Virgem Dolorosa, aquilo seria uma espada em seu coração.

O fenômeno dos Karnais, creio, deve ocorrer em todas as casas. A mesa completa (com toda a família) agrada, em especial, aos pais. Há mais ambiguidades entre os netos. Muitos dos que estão abaixo dos 25 anos conseguem imaginar dez mil opções melhores de Ano-Novo do que com a avó. Noto que amavam a matriarca, mas não gostariam de “queimar” uma data tão significativa, estando na casa dela. O argumento “pode ser o último Natal dela” passa a ser um peso, especialmente se a derradeira festa ampliar a possibilidade por uma década.
A “família da foto” passa a ser um ideal, uma essência. O filósofo francês Sartre aconselhava a colocar a existência antes da essência. Quem realmente deseja estar ali não precisa ser conquistado com subornos materiais (a comida estará ótima) ou chantagens emocionais (ela fez tanto por você). Os netos, primos entre si, terão menos intensidade de desejo, porque não cresceram naquela casa. Não compartilham de uma história tão íntima. A geração anterior, a dos irmãos, possui mais vontade da foto coletiva. Os avós, a primeira geração, em geral, não possuem sociabilidade fora da prole. Ao contrário dos netos, ou passarão o Natal ali, ou passarão sozinhos. Para alguns jovens, a família é a solidão absoluta. Para fugir do vazio, alguns avós/pais forçam os netos/filhos ao vazio...
Em resumo, minha ideia esperançosa é de que a foto da família que vai para as redes sociais deveria combinar essência e aparência. Seria um erro sacrificar uma pela outra.