Cena um: seu amigo fez uma peça de teatro. Você estava lá na estreia, apoiando a ousadia. O resultado? Um desastre! Tudo ruim! Ao final, hora de ir ao camarim, para cumprimentar. Lá está ele, ainda com a roupa do espetáculo, perguntando: “E aí, gostou?” É a famosa “sinuca de bico”. O que eu digo? Minto descaradamente? Digo a verdade e crio um problema?
Cenas dois: convite para o almoço. A sobremesa é anunciada como receita de família, aperfeiçoada há três gerações. São narradas maravilhas em relação ao prato. Chega o momento! Você ingere a primeira colherada com expectativa alta. Intragável! Medonho! Mal aquilo tocou na sua língua e já demandam: “Não é ótima?” O que dizer?

Cena final: sua tia deu aulas de língua portuguesa a vida toda. Desde que você era criança, ela anuncia que está fazendo um texto de poesias. Revisou a obra por décadas. Enfim, chegou a hora. Ela está na melhor livraria da cidade, autografando o livro. Na fila do lançamento, você começou a ler o primeiro, o segundo... chegou ao décimo soneto. É um pior do que outro. Fracos! Versos ruins, sem imaginação, temas banais. Ela viu você e já dispara: “O que achou?”
Vamos ajudar todo mundo que passa por essas situações. Seus problemas acabaram! Você aprenderá (e pode decorar) frases prontas, ideias prévias, modelos perfeitos que funcionarão como soluções para evitar o silêncio constrangedor e sem precisar mentir. Treine! Um dia você vai precisar. Decore, pois o constrangimento costuma paralisar o cérebro. Vamos às sentenças.
Passo inicial: o sorriso é indispensável. Antes de proferir, treine exibir os dentes. Motivo? Busque algum. Você está vivo! Pense nisso e sorria. Complemento: abraçar a pessoa em silêncio, por um tempo mais longo do que o usual. Ela está feliz, compartilhe da felicidade por empatia e com o contato físico, fundamental no Brasil. Sorrindo e abraçando, parte importante da comunicação já está feita. Agora, as frases prometidas.
“Você, hein?” quase sempre funciona. Sem quaisquer adjetivos. Basta sorrir, abraçar e repetir a frase. É um signo linguístico amplo, vago e eficaz: “Você, hein?”
“Só você poderia ter feito isso” também é bom. “Nossa, achei a sua cara” é infalível. Variante: “Agora eu realmente entendi quem você é de verdade” – frase correta em qualquer sentido.
“Nossa, mexeu comigo mesmo!” Ideia verdadeira: serve para descrever uma ambrosia rara dos deuses ou um óleo de rícino insuportável.
Ah, Leandro, alguém dirá, são frases falsas que exploram a ambiguidade e mentem. Você está manipulando a vaidade da pessoa só para ficar bem com ela. Você tem razão. Se é o seu desejo, vamos entrar no modo “diretão”. Eis outro encaminhamento para as situações descritas na introdução: “Sei que você se esforçou com a encenação, mas o resultado foi horrível. Evite uma segunda. É um erro fazer se não existe talento”. “Sua sobremesa é medonha. Espero nunca mais comer uma coisa destas. Não cozinhe jamais.” “Sei que a senhora dedicou anos a este livro, tia. Porém, o resultado é muito ruim. A poesia não é seu campo. Busque outra vocação mais útil.”
Apresentei um modo evasivo e indiquei o modo “kamikaze”. Pela minha experiência, por mais que você seja íntimo e por mais que seja delicado na abordagem: ou você ama o que a pessoa fez, ou existirá uma fissura grave para sempre. Se envolver opiniões sobre filhos, então, seu entusiasmo deve ser épico. Se a mãe ou o pai detonarem o rebento, nunca se engane: eles podem; você não deve sequer balançar a cabeça concordando.
Entre a declaração diplomática e o sincericídio, existiria algo intermediário? Sim. Primeiro: você não é crítico teatral, especialista gastronômico ou doutor em poética clássica. Sua opinião é baseada em algo subjetivo e com pouca base técnica. Essa consciência deve existir antes de emitir juízos de valor. Você não foi convidado para uma análise semântica e estilística do texto. Você foi convidado como amigo e parente. Encontrou na peça algo que só pode ser explicado pela história da pessoa que você conhece? Destaque o link na apreciação: “Nossa, a tia Matilde do seu espetáculo foi inspirada na nossa tia Maria?” Você demonstrará interesse, não mentirá e ainda aparecerá no seu lugar de fala: um convidado afetivo com conhecimento da história pessoal. A receita é de família? Peça detalhes da origem, dos ingredientes e sobre o modo de proceder. Gentileza gera gentileza. Alguém fez algo e levou adiante. É uma vitória pessoal. Não precisa mentir ou destacar as falhas, basta estar ali com o coração de um amigo, de um irmão, de alguém que conheceu tudo antes. Nunca confunda sinceridade com grosseria. De novo: ao convidá-la ou convidá-lo, o criador-amigo não desejou estar com uma reconhecida crítica internacional de arte famosa pelos volumes publicados em Oxford. Ele chamou você, apenas. Aquilo é o máximo que ele conseguiu e, com alguma probabilidade, nem isso você fez na vida.
Num dia, estando só vocês dois, bebendo um pouco, depois de tecer elogios ao que for possível, você pode dizer que, mesmo não entendendo nada do tema, talvez fizesse isso naquela fala. E... volte a elogiar imediatamente. Use a técnica sanduíche: elogio; pequena crítica; elogio. Funciona! O mundo sempre será duro na opinião. Você foi convidado para o conforto do autor. Acha difícil? Alegue covid e fique em casa. Sempre há esperança para um autor melhorar; há pouca para um crítico amador azedo.