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Nossa tradição exalta conciliação, contudo gostamos mesmo é de derrubar governantes e constituições

Houve um golpe que, hoje, explica o feriado de 15 de novembro. Somos bons em criar feriados a partir de rupturas da ordem jurídica

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Por Leandro Karnal
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A República foi um golpe. Até as pedras sabem do fato. Sejamos honestos: quase tudo foi um golpe no Brasil.

A Independência de 1822 foi uma ruptura com a ordem legal e histórica. No poder, o jovem imperador golpista fecha a Constituinte em 1823. Golpe no golpe! Em 1831, ele é derrubado: novo ato ao arrepio da lei. A Constituição vigente previa uma maioridade mais tarde para o filho do golpista. No meio do ano de 1840, surge nova burla ao qual Pedro II adere: a maioridade. Nos quase 40 anos seguintes, tivemos certa estabilidade no jogo das elites políticas abaladas aqui e ali pelas revoltas de 1842 em Minas e em São Paulo, a Praieira em Pernambuco (1848) e as guerras platinas.

'A República foi um golpe. Até as pedras sabem do fato. Sejamos honestos: quase tudo foi um golpe no Brasil.' Foto: Benedito Calixto/Acervo Pinacoteca do Estado de São Paulo

O momento mais brilhante da estabilidade política foi a chamada Conciliação (1853-57). O gabinete do Segundo Reinado foi liderado pelo conservador Marquês do Paraná, até 1856, e pelo futuro Duque de Caxias, até 1857. O mineiro Honório Hermeto Carneiro Leão (Marquês do Paraná) liderou um grupo de homens novos para o padrão do Império. Ao pensar o grupo político mais de cem anos depois, o jurista Raymundo Faoro – na obra Os Donos do Poder – destaca que ele quebra uma tradição: os ministérios duravam, em média, apenas um ano e três meses. Foi o apogeu de expansão econômica (capitais antes destinados ao tráfico de escravizados foram realocados no Brasil) e de harmonia política. Usando termo do século 19, o Segundo Reinado encontrou seu “fastígio” na década de 1850.

As décadas seguintes foram minando a ordem unida. Houve deslocamento do eixo econômico do café para São Paulo. Os militares foram transformados pela Guerra do Paraguai. A Igreja Católica enfrentou problemas, sobre a Maçonaria, com a política e Pedro II. As leis abolicionistas também desgastaram o concerto político. Ideias positivistas e republicanas prosperaram.

Houve um golpe que, hoje, explica o feriado de 15 de novembro. Somos bons em criar feriados a partir de rupturas da ordem jurídica. Nossa tradição exalta conciliação, contudo gostamos mesmo é de derrubar normas, governantes e constituições. Os motivos elevados deixamos para construir depois. E segue-se o círculo: consideramos inadequada uma situação política, apelamos a militares, derrubamos uma conjuntura e, depois, o novo arranjo desgasta-se, fazendo surgirem saudosistas da situação derrubada; despontam-se Frentes Amplas e armam-se novas cavilações golpistas. Num dia, voltará D. Sebastião! Até lá, aproveitemos os feriados de golpes. Boas esperanças?

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