
Conhecidos como a nona arte, os quadrinhos muitas vezes são considerados como uma forma inferior e marginal à literatura, muito por causa de seu apelo infanto-juvenil e por serem conhecidos como veículos para histórias de super-heróis. Essa visão, no entanto, não poderia estar mais descolada da realidade. Quer sejam chamadas de gibis, graphic novels, ou simplesmente HQs, as histórias em quadrinhos são obras visuais únicas, envolvendo equipes criativas que incluem roteiristas, ilustradores, coloristas e letristas, cada um imprimindo sua assinatura em cada quadro de cada página das obras, que abrangem gêneros que podem ir de simples biografias às fantasias mais épicas.
Bem mais do que apenas contos de super-heróis ou histórias infantis, os quadrinhos têm a capacidade de contar histórias ricas e diversas, muitas das quais passam batido pelo grande público, que não enxerga a mídia para além do mainstream. Conheça abaixo dez histórias em quadrinhos impactantes e tão boas quanto qualquer obra literária tradicional:
‘Heathen’, de Natasha Alterici
Baseada na mitologia nórdica, Heathen acompanha a jovem Aydis, uma viking que é exilada de sua aldeia por beijar outra mulher. Buscando provar seu valor como guerreira frente a uma sociedade que não a aceita, ela sai em uma longa jornada para resgatar a Valquíria Brynhild e derrubar o reinado do deus Odin. Acompanhada de um cavalo falante, Aydis enfrenta deuses, demônios, espíritos e monstros em uma história de aceitação e autodescoberta.
Escrita e ilustrada por Natasha Alterici, Heathen conta com um traço único que realça o mundo místico percorrido por Aydis ao mesmo tempo em que traduz o cenário lindo, mas muitas vezes perigoso da região nórdica. Ainda sem tradução oficial em português, o omnibus da HQ pode ser encontrado em inglês na Amazon.

‘Repeteco’, de Bryan Lee O’Malley
Não se deixe levar pelo traço fofo de Bryan Lee O’Malley (Scott Pilgrim): Repeteco é uma exploração profunda e, às vezes, amedrontadora das inseguranças que surgem com a vida adulta. O livro segue Katie, dona de um restaurante de sucesso que em pouco tempo vê sua vida desandar e os frutos de seu trabalho serem colocados em risco. Perdida, ela encontra uma misteriosa garota que lhe oferece a oportunidade de, com uma caderneta e um cogumelo mágico, mudar sua vida com uma segunda chance de alterar o passado. Essa mágica, no entanto, tem consequências inesperadas que fazem Katie questionar todas as escolhas que ela mudou pelo caminho.
Publicada originalmente em 2014, Repeteco mostra um amadurecimento da narrativa de O’Malley que, por meio da fantasia, explora os sentimentos de ansiedade e pânico da juventude, deixando para trás o tom adolescente de Scott Pilgrim para explorar os desafios sombrios da vida adulta. No Brasil, a HQ foi publicada pela Companhia das Letras.

‘A Cegueira Iminente de Billie Scott’, de Zoe Thorogood
Primeiro livro publicado por Zoe Thorogood, vista na indústria como uma das maiores promessas dos quadrinhos, A Cegueira Iminente de Billie Scott acompanha uma artista plástica que recebe um diagnóstico nada agradável: dentro de algumas semanas, ela perderá completamente a visão. Com uma exibição marcada para dentro de alguns meses, Billie sai de seu pequeno estúdio em Middlesbrough rumo a Londres, com o objetivo de encontrar 10 pessoas para retratar em sua arte. Vivendo com o mínimo, ela cruza com pessoas que mudam sua vida e lhe dão esperança em meio ao pior momento de sua vida.
Nascida dos medos da própria Thorogood, Billie Scott é uma história emocionante de empatia e perseverança, contada através de um texto simples, mas impactante, e de uma arte que une o realismo e a visão artística. Um dos quadrinhos mais elogiados das últimas décadas, A Cegueira Iminente de Billie Scott foi publicado no Brasil pela Conrad.

‘Sweet Tooth’, de Jeff Lemire
Um dos nomes mais reverenciados da mídia, Jeff Lemire explora em Sweet Tooth os sentimentos mais sombrios da raça humana. Em um mundo pós-apocalíptico, uma doença conhecida apenas como Flagelo dizimou a população da Terra. Desde o surgimento da peste, as crianças nascidas são híbridas de humanos e animais. Caçados por muitos e acolhidos por poucos, esses novos espécimes precisam escapar da brutalidade dos adultos, que culpam esses híbridos pelo Flagelo e tentam, de maneiras cruéis, se reestabelecer como a espécie dominante do planeta.
Uma crítica à relação humana com a natureza e ao nosso comportamento quando confrontados com uma nova realidade, Sweet Tooth é um dos títulos mais questionadores da DC Comics, que reflete sobre nossa iminente evolução e sobre a brutalidade intrínseca à humanidade. No Brasil, o título foi publicado pela Panini.

‘Saga’, de Brian K. Vaughan e Fiona Staples
Mistura de fantasia e ficção científica, Saga é a série de quadrinhos mais celebrada da atualidade. A história acompanha uma guerra centenária entre dois planetas imperialistas e dois jovens de lados opostos desta briga entre magia e tecnologia que se apaixonam. Fruto desse amor, Hazel, a narradora da história, é uma “criança proibida”, filha de dois mundos e símbolo da traição de seus pais. Junto de sua família, ela enfrenta perigos inimagináveis desde seu nascimento, fugindo de caçadores de recompensa, mercenários e assassinos contratados pelos planetas dominantes que querem impedir que ela se torne o símbolo de uma possível paz.
Criada por Brian K. Vaughan e Fiona Staples para ser uma obra inadaptável para outras mídias, Saga apresenta um dos universos fantásticos mais ricos dos quadrinhos, com uma mitologia que rivaliza com a de clássicos de J.R.R. Tolkien, Frank Herbert e Isaac Asimov. Violenta e cheia de reviravoltas, a HQ já teve 11 volumes publicados no Brasil pela Devir e segue em publicação com edições inéditas nos Estados Unidos.

‘Persépolis’, de Marjane Satrapi
A quadrinista iraniana Marjane Satrapi reconta histórias de sua infância, lembrando a revolução islâmica que mergulhou o Irã no regime xiita e a forma como sua vida mudou sob o novo governo. Persépolis é uma história de amadurecimento, descoberta e resistência, escrita sob olhar de alguém que resistiu à opressão de seu gênero e cresceu para se tornar exemplo de consciência social e política.
Lançado originalmente em 2000, Persépolis foi adaptado para um filme de animação em 2007. No Brasil, o livro foi publicado pela Companhia das Letras.

‘Chico Bento: Arvorada’, de Orlandeli
Parte do imaginário popular brasileiro, a Turma da Mônica se fez presente na infância de diferentes gerações e, através da iniciativa Graphics MSP, os personagens clássicos de Mauricio de Sousa ganharam novas roupagens nas mãos de alguns dos mais talentosos quadrinistas do país. Chico Bento: Arvorada é um dos volumes mais tocantes do selo. Escrita e ilustrada por Orlandeli, a HQ acompanha o dia a dia simples de Chico, que se vê confrontado com a mortalidade quando sua Vó Dita fica doente. Em uma história emocionante, o personagem passa a refletir sobre a vida e os momentos que não voltam mais, ao mesmo tempo em que reaprende a apreciar a beleza nas pequenas coisas.
Chico Bento: Arvorada foi publicado pela Panini.

‘Maus’, de Art Spiegelman
Vencedor do Pulitzer, Maus conta a história do pai do autor, o cartunista Art Spiegelman, e os terrores que ele viveu como um judeu na Alemanha durante o regime nazista. Na história, Spiegelman reconta a passagem do pai por Auschwitz, um dos mais infames campos de concentração da ditadura de Hitler, retratando os horrores do holocausto e os traumas deixados nos sobreviventes do genocídio. Transformando judeus em ratos, americanos em cachorros e nazistas em porcos, o quadrinista conta uma história terrível através de um traço quase infantil, que potencializa os terrores vividos nos anos 1940, criando uma história emocionante que segue relevante mais de 30 anos depois de seu lançamento original.
Publicado originalmente no Brasil em dois volumes, em 1986 e 1991, pela Brasiliense, Maus está hoje no catálogo da Companhia das Letras - em um volume único.

‘Iraúna do Olhar Âmbar’, de Gabriel Pieri
Originalmente publicado como um webcomic, Iraúna do Olhar Âmbar é um quadrinho brasileiro que explora o sobrenatural com um toque da mitologia do Brasil. A história acompanha Iraúna, uma jovem que transita entre o mundo humano e sobrenatural, lidando com criaturas místicas acompanhada de seus três cachorros demônios. Com muita ação e bom humor, o livro de Gabriel Pieri traz também reflexões sobre pertencimento, legado e autoaceitação, em uma narrativa dinâmica e divertida cheia de brasilidades.
Publicada originalmente nas redes de Pieri, que segue lançando novos capítulos, Iraúna do Olhar Âmbar teve seu primeiro volume publicado em 2024 pela JBC.

‘Estranhas Aventuras’, de Tom King, Doc Shaner e Mitch Gerads

O mundo dos super-heróis também conta com algumas das narrativas mais complexas dos quadrinhos. Em Estranhas Aventuras, Tom King, Doc Shaner e Mitch Gerads pegam um personagem de segundo escalão da DC Comics, Adam Strange, e o usam para contar uma história de guerra, trauma e conspiração, com um mistério digno dos maiores clássicos da literatura. Quando uma raça alienígena mortal invade a Terra, cabe ao herói Senhor Incrível investigar o colega Adam Strange e descobrir como ele, em outro planeta, derrotou esses invasores. Em sua investigação, ele encontra furos na história do explorador espacial e descobre verdades que podem levar o planeta a uma guerra intergaláctica.
Com artes que remetem a trabalhos clássicos de super-heróis e uma trama instigante, Estranhas Aventuras se destaca como uma das melhores histórias de capa-e-collant que a DC lançou nas últimas décadas. No Brasil, a história foi publicada pela Panini em dois volumes.