‘A Intuição da Ilha’, um retrato da intimidade de José Saramago

Livro escrito pela viúva do autor, Pilar Del Río, narra o cotidiano do escritor na ilha de Lanzarote

PUBLICIDADE

Por Jorge Gil Ángel
Atualização:

EFE - A voz de Pilar del Río se ilumina cada vez que menciona José Saramago, seu falecido marido, que retrata na privacidade de sua casa em Lanzarote (Espanha) no livro A Intuição da Ilha - Os Dias de José Saramago em Lanzarote (Companhia das Letras), na qual, garante em entrevista à Efe em Bogotá, testemunha algo que presenciou.

PUBLICIDADE

A jornalista espanhola partilhou mais de duas décadas da sua vida com o autor português e juntos viveram durante 17 anos na localidade de Tías, em Lanzarote, “uma ilha que nunca tinha pensado na minha vida, que descobri (...) e que passou a ser um lugar de felicidade”.

“É o começo do mundo, é o fim do mundo, é beleza e sobretudo a intimidade”, diz sobre aquele pedaço de terra onde Saramago escreveu algumas de suas maiores obras, como Ensaio Sobre a Cegueira e Ensaio Sobre Lucidez.

A jornalista Pilar del Río, viúva de José Saramago, lança livro em que fala sobre a intimidade do escritor e do convívio com ele.  Foto: Carlos Ortega/EFE

Testemunho

A Intuição da Ilha é, nas palavras de Pilar: “Dar testemunho de algo que presenciei, mas procuro nunca estar dentro do livro. É como se a jornalista estivesse lá e contasse. Ela não é protagonista de nada”.

Mas esse testemunho só foi escrito devido a uma pressão particular: a dos trabalhadores de A Casa, a habitação-museu de Lanzarote onde ela viveu com Saramago: eles insistiram que ela contasse em livro as anedotas daquele lugar.

“Eles insistiam que eu tinha de escrever porque, se eu morresse de coronavírus, ninguém mais ia saber o que tinha acontecido na casa. Então foi muito engraçado porque eles foram muito insistentes, mas também desejosos de saber que o que aquelas histórias continuariam vivas”, explica.

Nesse sentido, o processo foi emocionante, porque aconteceu “em um momento de sorte, porque agora são cartas para os leitores de José Saramago que querem saber como era o dia-a-dia dele”.

Publicidade

A alegria do detalhe

A jornalista espanhola, que também preside a Fundação Saramago para manter vivo o legado do escritor, assegura que a escrita foi feita com alegria, porque A Intuição da Ilha reflete o que aconteceu em A Casa.

A ideia de tudo isto é que as pessoas que leem o texto se sintam confortadas, pois as histórias que ali encontram são “como cartas de amor para os leitores de José Saramago”.

“É um livro escrito com alegria e com amor pela leitura, pelos leitores, com amor pela curiosidade, pelo valor que os livros nos oferecem e que nos tornam maiores”, diz a jornalista.

Uma das particularidades é que, apesar de ser uma das protagonistas de sua história, ela levava muito a sério seu papel de jornalista, razão pela qual seu nome não aparece nas histórias porque “os jornalistas não podem fazer parte da informação que divulgam, não podem estar na crônica”.

Pilar procurou escrever “a melhor crônica com o melhor estilo” e tentou relatar o que viveu a partir de “diferentes perspectivas”, mas, insiste, “sem aparecer”.

Capa do livro 'A Intuição da Ilha: Os Dias de José Saramago em Lanzarote', de Pilar Del Río, publicado pela Companhia das Letras no ano do centenário de nascimento do escritor português. Foto: Companhia das Letras

“Foi o que fiz, procurei aplicar o que aprendi na faculdade de comunicação e tentei fazer com alegria e devoção pelas pessoas que passavam pela casa, pelas histórias, os escritores, os artistas, os políticos, os anônimos, os artistas: a todos, professo meu carinho”, assegura. Logo a seguir diz: “É um ato de reconhecimento de Lanzarote, de José Saramago, dos amigos e do mundo do escritor”.

Criatividade em Lanzarote

No livro, Pilar aventurou-se a explicar o contexto em que Saramago escreveu grandes livros em Lanzarote, como Caim, A Viagem do Elefante, Ensaio sobre a Lucidez e Ensaio Sobre a Cegueira.

Publicidade

“Explico quais são as circunstâncias nas quais ele escreveu desde Ensaio Sobre a Cegueira até Alabardas, Alabardas, passando por Caim (...). Explico as motivações que o fizeram escrever, seu estado de espírito”, diz.

E acrescenta: “Procuro fazer com alegria, tento misturar o intelectual com o homem moral que se expressa e com o ser cotidiano que se diverte com seus cachorros, com a cozinha ou com um bom copo de vinho branco”.

O livro inclui a Carta Universal dos Deveres e Obrigações das Pessoas, documento inspirado em um discurso proferido em 1998 pelo ganhador do Prêmio Nobel.

“A Declaração Universal dos Direitos Humanos precisa estar simétrica com a Declaração Universal dos Deveres Humanos e isso depende de nós. Se queremos ser humilhados, ficar entre ter uma casa ou um emprego, vamos continuar assim, mas, se assumirmos a nossa responsabilidade, talvez o mundo fique melhor - era isso o que dizia Saramago, portanto, vamos segui-lo”, conclui.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.