Coleção Para Gostar de Ler, que marcou gerações de leitores, ganha novo livro; relembre a história

Idealizada na década de 1970 pelo editor Jiro Takahashi, a coleção irmã da Vaga-Lume transformou escritores brasileiros em best-sellers e apresentou grandes autores para jovens leitores

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Foto do author Julia Queiroz

Se você cresceu nos anos 1980, deve se lembrar do enorme sucesso da Coleção Para Gostar de Ler, da editora Ática, que formou leitores e popularizou crônicas de autores como Luis Fernando Verissimo, Fernando Sabino e Rubem Braga. Criada em 1977, ativa por anos e com lançamentos esporádicos entre 2000 e 2020, ela está de volta com um novo título: Um Peixe Boiando no Ar, livro de poemas do vencedor do Jabuti Ricardo Azevedo.

Tudo começou em 1965, com a fundação da Ática, editora que em seus primeiros anos já fazia sucesso com a série Bom Livro e com a amada Coleção Vagalume. Foi neste bom momento que o editor Jiro Takahashi, hoje com 76 anos, recebeu um telefonema do professor e poeta Affonso Romano de Sant’Anna.

Títulos da Coleção Para Gostar de Ler, lançada pela Ática no final dos anos 70, e que ganha um novo livro agora - Um Peixe Boiando no Ar, de Ricardo Azevedo Foto: Reprodução/Ática

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“Ele trazia uma informação sobre o grande cronista Rubem Braga, que estava muito frustrado com a baixa vendagem de suas crônicas em livrarias. Esse fato me estarreceu muito. O cronista que eu considerava o maior do País vendia pouco?”, lembra Takahashi ao Estadão. Foi então que ele e Sant’Anna procuraram Braga e Fernando Sabino. O objeto era pensar “em um projeto que colocasse as suas crônicas nos devidos lugares, isto é, nas mãos dos jovens leitores brasileiros.”

Para a criação de uma antologia de crônicas, mais dois nomes entraram na jogada: Carlos Drummond de Andrade e Paulo Mendes Campos. “As crônicas que seriam selecionadas deveriam entusiasmar dois públicos: professores e estudantes. Então, para selecionarmos as crônicas, dividimos a tarefa em duas etapas. Na primeira, um grupo de professores escolheu aproximadamente 60 crônicas de cada autor, que fossem muito interessantes em sala de aula. Na segunda, três mil estudantes elegeram as crônicas de que tinham gostado mais”, conta Takahashi.

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Segundo o editor, as escolhas surpreenderam tanto a editora quanto os próprios autores. Aquele primeiro volume continha, por exemplo, o texto Hora de Dormir, de Sabino, em que um filho enche a paciência de um pai ao pedir para assistir à televisão, e História Triste de Tuim, de Rubem Braga, sobre um garoto que se encanta com um pássaro e precisa lidar com a sua perda.

Feitas as escolhas, houve um período de negociação com a editora Record, que detinha os direitos dos autores, mas foi simples, diz Takahashi: “O publisher da Record, o lendário Alfredo Machado, entendeu que a nossa série não concorreria com os livros originais de sua editora e facilitou a negociação. Ele percebeu que quanto mais jovens conhecessem seus autores, mais livros completos deles seriam procurados nas livrarias.”

Sucesso inesperado

É claro que a junção de autores renomados e a estratégia adotada pela Ática tinha potencial, mas o sucesso da coleção surpreendeu a todos. Segundo Takahashi, a quantidade mínima para atingir a meta era de 30 a 40 mil exemplares, mas, somente no primeiro semestre de lançamento, foram mais vendidos mais de 200 mil.

Jiro Takahashi, fundador das coleções Para Gostar de Ler e Vaga-Lume. Foto: Cecília Bastos Ribeiro/Divulgação

“Nem os autores acreditavam nesses números. O impacto dentro da editora foi tão grande que logo após os primeiros cinco livros iniciais dos quatro cronistas, ampliamos a coleção com novos autores, como Carlos Eduardo Novaes, Luis Fernando Verissimo, Lourenço Diaféria e Carlinhos de Oliveira. Abrimos para novos gêneros, como a poesia e o conto. Por isso, a coleção ganhou uma sequência bem maior do que tínhamos previsto no planejamento inicial”, lembra o editor.

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Ele destaca que, naquela época, havia um foco em desenvolver o hábito da leitura entre os jovens, mas o título da coleção conseguiu estimular algo ainda maior e, talvez, mais importante: o gosto pela leitura. “Sem o gosto de ler não se desenvolve o hábito de ler. Passamos a trabalhar muito o conceito da experiência prazerosa que a leitura poderia passar para os jovens, em meio a outras tantas experiências que eles procuravam.”

O hábito de ler não se impõe com experiências obrigatórias e desagradáveis. É preciso que se queira ler. Como qualquer outra atividade, um jovem só irá ler se sentir e procurar o gosto de ler.

Jiro Takahashi

Laura Vecchioli, atual coordenadora de Literatura e Informativos do Editorial de Educação Básica da SOMOS Literatura, grupo dono da Ática, afirma que a Coleção Para Gostar de Ler “quebrou paradigmas”, não só aproximando estudantes de grandes nomes da literatura, mas transformando a oferta da crônica no mercado. “O sucesso foi tamanho que até hoje, 45 anos depois do primeiro lançamento, continuamos colhendo os frutos, com alguns títulos da coleção figurando entre os mais vendidos do nosso catálogo”, diz.

Relançamento

Foi justamente o aniversário de 45 anos da coleção, em 2022, que inspirou seu relançamento. “Começamos a buscar originais à altura dessa coleção tão emblemática. Escolhemos um livro de poemas por ser um gênero literário com pouca representatividade para o público juvenil”, diz. Assim veio a escolha de publicar Um Peixe Boiando no Ar, de Ricardo Azevedo, autor que já havia participado de duas outras obras da coleção.

“Foi muito legal a editora achar que meus poemas e desenhos se encaixavam na Para Gostar de Ler. Falo em desenhos porque, no caso de Um Peixe Boiando no Ar, as imagens não são ‘ilustrações’ dos textos, mas, sim, funcionam como poemas visuais, com autonomia em relação aos textos. Assim, o leitor é levado a ler e fruir os poemas e a ler e fruir as imagens. Uma das propostas do meu livro é esta”, conta o escritor.

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Ilustração de 'Um Peixe Boiando No Ar', de Ricardo Azevedo, lançamento mais recente da Coleção Para Gostar de Ler. Foto: Ática/Divulgação

Para Azevedo, a coleção e o novo livro “pretendem apresentar os assuntos complexos e as visões subjetivas e contraditórias a respeito da vida e do mundo por meio de uma linguagem prazerosa e acessível, independentemente de ‘faixas etárias’ e coisas do gênero”.

Vecchioli concorda com o autor, destacando que a coleção, apesar de originalmente pensada para a o público escolar, pode agradar muito ao público adulto também. “Além de reunir livros com temas atemporais e assinados por autores que são referência na literatura brasileira, a coleção conta com títulos e autores que evocam memórias afetivas”, aponta.

'Um Peixe Boiando no Ar', de Ricardo Azevedo, chegou às livrarias recentemente Foto: Reprodução Ática

Takahashi vê como “oportuníssimo” este relançamento da Para Gostar de Ler, ainda mais se aproximando dos 50 anos da coleção, completados em 2027. Ele diz ainda que, em um momento em que mais da metade dos brasileiros não lê, o papel da coleção, “juntamente com outros lançamentos da literatura infantojuvenil, é de resistir a esse cenário.”

Um Peixe Boiando no Ar

  • Autor: Ricardo Azevedo
  • Editora: Ática (112 págs,. R$91)

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