Luiz Antonio Simas é uma figura conhecida nas ruas cariocas. Tornou-se um fenômeno cultural no Rio de Janeiro. Pelo menos uma vez por mês, o professor e escritor reúne multidões no Madrid, bar da Tijuca, na zona norte. Sob o sol das 14 horas, pessoas fazem uma pausa no seu dia para ouvi-lo falar sobre temas da cultura popular brasileira: dos santos católicos aos botequins; da umbanda ao Réveillon.
Filho de um barbeiro e de uma mãe de santo, Simas transita entre a academia e o popular. É autor de mais de 30 livros, como O Corpo Encantado das Ruas (Civilização Brasileira), e compôs um samba com Anitta. Historiador, mantém um olhar voltado para a “historicidade das ruas”. “Não sou fascinado pela ‘Grande História’. Não tenho interesse pelo que acontece nos gabinetes. Eu gosto das ‘pedrinhas miúdas’ até porque vim de uma família que não tinha e não tem noção de que cada um deles é dotado de historicidade”, diz.

A música com Anitta
Simas já escreveu mais de 40 músicas, algumas delas interpretadas por nomes como Maria Rita, Marcelo D2, Criolo e Fabiana Cozza.
Mas nenhuma delas fez tanto barulho quanto o samba-enredo da Unidos da Tijuca de 2025, composto em parceria com Estevão Ciavatta, Feyjão, Miguel PG, Fred Camacho, Gustavo Clarão, Diego Nicolau e Anitta.
A Unidos da Tijuca elegeu como seu enredo tema Logum-Edé – Santo menino que velho respeita. Quando soube do enredo, Simas logo se encantou. “O orixá tem uma história belíssima, mas, fora do ambiente do candomblé, ele não é conhecido. Logum-Edé é fascinante”, diz animado.
Anitta é filha de Logum-Edé e, neste ano, gravou um videoclipe com imagens de rituais de religiões de matrizes africanas. O time de compositores ligou os pontos e resolveu chamar Anitta para o jogo. “Para nossa surpresa, ela topou”, diz Simas.

Na mitologia das religiões afrobrasileiras, Logum-Edé é filho de Oxum e Oxóssi e é marcado por dualidades: é guerreiro e, ao mesmo tempo, bailarino; é caçador e também o pescador.
O nome da estrela pop entre os compositores impulsionou o samba-enredo e tem atraído um público cada vez mais jovem à quadra da escola da Zona Norte do Rio de Janeiro.
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Ágoras cariocas
Inspirado nas ágoras gregas, Simas criou, há mais de 15 anos, o projeto “Ágoras Cariocas”, que levou seus ensinamentos aos lugares mais inusitados da cidade. Quadras de escolas de samba, cemitérios, ruas da zona do meretrício, todos lugares serviram de sede para as suas aulas públicas. “Gosto de pensar na rua como um espaço educativo”, explica.
O movimento ganhou força depois da pandemia de coronavírus. Depois de tanto tempo em isolamento, Simas entendeu que as pessoas precisavam socializar e os bares, faturar. “A aula é um pretexto para a gente se encontrar, exercer uma certa sociabilidade de rua”, afirma.
“Muita gente me pergunta por que não fazer no sábado ou no domingo. Além de serem os dias em que eu vou ao bar para beber, nesses dias, os bares não precisam porque já estão cheios”, explica. Simas lembra que as aulas são uma forma de movimentar a economia criativa. Na mesma rua Almirante Galvão, onde está localizado o Bar Madrid, tem a Livraria Casa da Árvore.

Em 2024, Simas levou a sua Ágora para Festa Literária de Paraty (Flip).
Ele aproveitou a homenagem a João do Rio na Flip para celebrar Exu. Seu livro O Corpo Encantado das Ruas (Civilização Brasileira), a propósito, é dedicado ao cronista, ao orixá e ao historiador alemão Walter Benjamin.
Em sua performance na abertura da Flip, Simas diz ter “jogado uma isca” ao trazer Exu como princípio da rua encarnada para falar de João do Rio. “Foi uma ironia, porque João do Rio tem um livro [As Religiões no Rio], muito marcado por uma percepção preconceituosa, que era normal para a época. Foi como um padê, uma oferenda para Exu”, lembra o professor.

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Escritor ou professor
“Eu sou um professor que escreve. Não sou um escritor que dá aulas”, afirma. Dono de uma bibliografia importante, com mais de 30 títulos ativos, Simas diz que ser escritor é uma “contingência da vida”.
“Eu juro que não tinha a intenção de escrever livros”, conta. O convite para sua primeira obra surgiu durante uma conversa informal com o caricaturista Cassio Loredano, que organizava o livro O Vidente Míope (Folha Seca), sobre J. Carlos (1884-1950), ilustrador, caricaturista e designer gráfico que fez parte da vida carioca no início do século 20.
“Loredano e eu estávamos tomando uma cerveja, quando ele me contou deste projeto. Ele me disse que precisava de um historiador para ajudá-lo com os textos. Eu tinha bebido o suficiente para me oferecer e ele tinha bebido o suficiente para topar. Assim começou”, conta sorrindo.
Escrever acabou virando um dos seus ofícios. “Hoje dou aula com muito menos intensidade, com carga horária bem menor e a publicação de livros virou profissão também. Vivo do que produzo, do que escrevo”, diz.
Literatura de cordel
Seu mais recente lançamento, Sete Cordéis Brasileiros (Oficina Raquel), de novembro e com ilustração de Jô Oliveira, explora a literatura de cordel de forma inovadora. “Sou de uma família de nordestinos, sempre tive interesse em trabalhar com um cordel. Comecei a treinar e fiquei viciado nessa coisa”, conta.
O cordel tem um estilo muito peculiar, traz sempre uma sátira e um poema, com começo, meio e fim. Simas, no entanto, subverte as formas tradicionais do gênero e mistura Rainha Elizabeth com Exu, Maradona com São Pedro, Pixinguinha com Santa Hildegarda, Paulo Freire com Napoleão.
Livros para crianças, sim... de ficção, não
Na conversa que teve com o Estadão, o professor revelou que quer se dedicar cada vez mais à poesia e à escrita para crianças e jovens leitores. “Pretendo seguir escrevendo para adultos, mas me imagino mais na poesia, na música e nos livros para as infâncias e leitores mais novos”, confidencia.
Ele diz, porém, que não tem planos de escrever histórias de ficção - nem para esses jovens leitores. “A única que não fiz e não vou fazer é ficção. Pulei fora de todos [os convites]. Posso assegurar: dessa água posso dizer que nunca beberei”, reforça.
Seja nas ruas do Rio, nos livros ou no sambódromo, Luiz Antonio Simas é daquelas figuras boas de conversar: um professor que, sem querer, tornou-se uma das vozes mais originais e respeitadas da intelectualidade nacional.