Todos os dias, Lucas Medeiros abre um de seus livros de colorir, senta em frente à enorme coleção de canetinhas em sua mesa, prepara o celular com luz e tripé e grava mais um vídeo colorindo. Em seu perfil no TikTok, o ‘Cores do Lucas’, algumas publicações já alcançaram mais de 5 milhões de visualizações.

Formado em arquitetura e design de interiores, o influenciador de 30 anos é uma das pessoas que surfaram no súbito retorno da febre dos livros de colorir. Essa moda agora volta repaginada, com uma proposta diferente, muita associada à geração Z e ao TikTok, e impulsionado por um novo fenômeno que fez o mercado editorial correr para entrar na jogada: a coleção Bobbie Goods.
Criada pela artista americana Abbie Goveia, a marca tornou-se sinônimo de um estilo de desenho que é o modelo dessa nova onda de livros de colorir - animais desenhados com traços simples, vivendo cenas do cotidiano. Um cachorro cortando a grama e cumprimentando seu vizinho, um pato comprando algo em uma lanchonete, e por aí vai.
Nos Estados Unidos, a marca já crescia e criava uma comunidade fiel, mas foi no ano passado que vídeos de pessoas colorindo começaram a viralizar e chegaram, claro, no Brasil. No TikTok, são mais 105 mil publicações com a hashtag #BobbieGoods e mais de 700 mil com #coloringbook (livro de colorir, em português), muitos deles feitos por brasileiros.
Os Bobbie Goods e seus semelhantes são muito diferentes daqueles livros de colorir que fizeram sucesso há cerca de dez anos. Por volta de 2015, o livro Jardim Secreto, da ilustrada escocesa Johanna Basford, era um fenômeno tão grande que as gráficas não davam conta de produzir tantas unidades.

O livro vinha com desenhos bastante complexos, como mandalas e florais, e um marketing bastante associado à ideia de que colorir não era só para crianças, que também podia ser desafiador para adultos e uma maneira de se afastar do estresse do dia a dia. O sucesso foi tamanho que ele virou inspiração para outras obras que também tomaram conta das listas de mais vendidos.
“Os traços eram complexos, você precisava ter uma coordenação motora muito maior pra preencher os espaços corretamente, tinha uma complexidade para causar esse efeito de ‘é livro para adulto’”, lembra Lucas. Ele começou a colorir naquele período e já gostava de compartilhar os resultados na internet, mas começou a trabalhar com as redes sociais em 2018, quando um criou um perfil dedicado ao Lettering, prática de desenhar as palavras com estilo e formas diferentes.

A nova onda dos livros de colorir traz uma proposta diferente: “Agora, o fator mais importante é essa história do traço grosso e fácil de preencher, além do cenário que está acontecendo ali. É um pouco menos infantilizada, já que, por mais que sejam personagens - cachorro, coelho, gato - eles vivem em cenas do cotidiano.”
Além disso, a moda não é mais pintar com lápis de colorir, e sim com canetinhas ou marcadores. Em papelarias ou lojas online, elas são vendidas em estojos com até 120 cores diferentes.
Febre no Brasil
Foi no segundo semestre de 2024 que os livros de colorir no estilo Bobbie Goods começaram a viralizar no TikTok brasileiro. Vendo aquela movimentação, Lucas decidiu criar o seu perfil e começar a gravar os vídeos colorindo. A conta foi criada em setembro, um das publicações logo viralizou e, em 1º de outubro, já eram 10 mil seguidores. Agora, apenas seis meses depois, ele acumula 469 mil seguidores e mais de 20 milhões de curtidas.
Percebendo esse sucesso na rede social, editoras brasileiras começaram a correr atrás dos direitos autorais para trazer os livros ao Brasil. A Sextante (que publica os livros de Johanna Basford no Brasil) adquiriu os direitos para publicar Como Desenhar Coisas Superfofas com Bobbie Goods, um livro que ensina a desenhar os personagens da marca - a obra está em pré-venda.
Até então, esse era o único livro de Bobbie Goods, já que Abbie Goveia vendia cards “soltos” para colorir. O livro foi adquirido pela Sextante com a editora americana Walter Foster Publishing. Já a HarperCollins Brasil entrou diretamente em contato com a artista e sugeriu uma proposta: adquirir os direitos da marca no Brasil e montar um livro de colorir que pudesse ser comercializado no País e no site de Goveia.
A estratégia funcionou: o primeiro deles, Do Dia para a Noite, entrou para a lista de mais vendidos da Amazon Brasil ainda em pré-venda. O segundo lançamento, Dias Quentes, também aparece na lista. Outros dois livros, Isso e Aquilo e Dias Frios, chegam às livrarias em abril e maio, respectivamente.
Além de Bobbie Goods, a Harper Collins Brasil comprou os direitos de outra marca, a Coco Wyo, formada por um coletivo de artistas e também um sucesso na nova onda de livros de colorir. Já foram três lançamentos: Um Natal Quentinho, Criaturas Fofinhas e Cantinhos Bonitinhos (em pré-venda).
“Sabíamos que podia dar certo, mas não tem como mensurar esse tipo de fenômeno. No primeiro mês, vendemos 10 vezes o que imaginávamos”, diz Alice Mello, editora executiva da HarperCollins Brasil. Segundo ela, a primeira tiragem de Um Natal Quentinho foi de 10 mil exemplares, mas os volumes rapidamente esgotaram. Agora, os lançamentos estão saindo com uma tiragem inicial de 100 mil exemplares, um número muito alto para o mercado editorial.
“O mérito mesmo está na rapidez. Fizemos tudo muito rápido, em menos de um mês tínhamos todos esses produtos e, então, acho que outras editoras também fizeram um pouco esse movimento”, completa Alice.
Uma dessas editoras foi a Girassol Brasil, uma das mais fortes do segmento infantojuvenil. Karine Pansa, proprietária e diretora editorial do grupo, diz que a licença de Bobbie Goods já chamava a atenção na Feira do Livro de Frankfurt em outubro. “Já em dezembro, fiz uma pesquisa na internet e vi várias pessoas postando técnicas. No Natal, diziam que seria um ótimo presente. Foi assim que eu me dei conta do que estava acontecendo”, lembra.
Com isso, ela foi em busca de parceiros no exterior que produzissem livros no mesmo estilo. “Já saímos procurando papel, fizemos a capa. [A editora gringa] já me mandou os arquivos e assinamos. Foi tudo muito rápido. Em uma semana, eu comecei a pré-venda, em 15 dias, já tínhamos o livro. Percebemos mesmo que ia ser uma super tendência por conta das redes sociais”, explica Karine. Os dois lançamentos da Girassol são da ilustradora Sam Jayne e foram lançados no início de março, com tiragem inicial de 20 mil exemplares.
A procura pelos livros de colorir é tanta que é sentida em todo o setor. A Suzano, uma das principais fornecedoras de papel do País, informou ao Estadão que a demanda por papéis de altas gramaturas - ideias para os livros de colorir - está acima do previsto, mas que o atendimento segue regular.
Além das editoras citadas, a Camelot e a Ciranda Cultural já publicam diversos volumes de livros de colorir no estilo Bobbie Goods, a Rocco lança em março um livro de colorir oficial de Harry Potter no estilo Funko Pop, também com traços simples e mais grossos, e chegam em abril pela Sextante quatro volumes da coleção Fluffy Times, de Didi Plums.
Volta ao analógico
Segundo as fontes consultadas pela reportagem, o público dessa nova febre dos livros de colorir está concentrado em uma faixa dos 14 aos 30 anos. E, apesar de ser resultado da força das redes sociais, ela vem associada com uma vontade da geração Z de se afastar do digital e voltar ao analógico.
“O que a gente vê agora é essa geração que tem uma necessidade muito forte de estar offline. É engraçado que eu preciso estar me filmando no TikTok, mas a atividade em si, ela precisa ser concentrada”, diz Alice Mello. “É um pouco como a leitura: você não tem como ler um livro sem estar prestando atenção nele, não é como a televisão, em que você recebe a informação.”
Karine Pansa, da Girassol, também percebe que colorir é uma atividade que pode ser feita em família, o que gera um apelo também para os pais do adolescentes. “Isso se torna um momento de relaxamento, porque você acaba tirando as coisas da cabeça. Você esquece o que você está assistindo, você sai das telas, algo com que todo mundo está preocupado. Você compartilha momentos com a família, e consegue fazer isso com pessoas mais jovens.”
Um desafio no caminho: a pirataria
Se correr para entrar na tendência compensa, também significa que as editoras precisam enfrentar uma pedra no sapato: a pirataria. No caso de Bobbie Goods, quando a moda chegou ao TikTok, era preciso comprar os cards pelo site oficial da marca, comercializados em dólares e com frete alto. Lucas, por exemplo, diz que não comprava os desenhos pelo preço alto, mas que importava livros de outras marcas.
A procura pelos desenhos fez com que muitas pessoas simplesmente os imprimissem, encadernassem e revendessem como se fossem produtos oficiais. Em sites de revenda e até em papelarias físicas e online, é comum encontrar versões piratas dos livros sendo vendidas até mesmo por um preço maior do que os oficiais.

“Estamos, agora, em um processo de tentar mostrar que existe uma autora, que ela ganha direitos autorais e é a dona desse produto. Fizemos isso junto com ela, até porque esse fenômeno é novo para ela também”, explica Alice, da HarperCollins Brasil. Ela diz que, por conta da febre ter sido tão rápida e tão forte no TikTok, é comum que nem o consumidor saiba que aquele produto tem um dono.
A editora agora faz um trabalho de alertar livrarias, livreiros e distribuidores sobre os produtos piratas, além de conscientizar o consumidor sobre as edições oficiais. “Tinha um bloqueio muito grande das pessoas em relação aos originais por conta do custo mesmo. Agora, como eles vieram pro Brasil e o custo está mais acessível, o argumento já não existe mais”, afirma Lucas.