O escritor peruano ganhador do Prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa, que morreu no último domingo, 13, aos 89 anos, se interessou muito por política ao longa da vida, sendo até candidato ao pleito presidencial do Peru em 1990.
Em três entrevistas ao Estadão, onde foi colunista (leia seus textos), concedidas nos anos de 2016, 2019 e 2021, o autor de clássicos como Conversa no Catedral e A Guerra do Fim do Mundo abordou temas como democracia, marxismo, liberalismo, ditaduras, fake news, entre outros, e comentou casos como o impeachment de Dilma Rousseff, a eleição de Alberto Fernández, a (primeira) ascensão de Donald Trump nos EUA e mais. Relembre abaixo alguns destaques dessas conversas.
Leia na íntegra as entrevistas de Mario Vargas Llosa ao 'Estadão'

O regime político ideal para Vargas Llosa - em 2021
“Bem, sou um liberal, um democrata, creio na liberdade. E nada dinamizou tanto a democracia como o liberalismo, fonte das grandes reformas democráticas como, por exemplo, a criação dos sindicatos, a ideia de igualdade de oportunidades. É importante que cada geração parta de um mesmo ponto de partida para que a sociedade tenha um dinamismo. Ao mesmo tempo, creio que os grandes pensadores liberais são práticos, tratam de não precipitar as grandes reformas, pedem que as mudanças sejam feitas conforme a vontade das próprias sociedades, e isso é o que impede ou limita a violência que é tão grande, hoje em dia, nas sociedades que são aferradas a uma certa ideologia”
A democracia na América Latina - em 2019
É muito melhor ter democracias imperfeitas, até corrompidas, que ditaduras que não são eficientes por fomentar a delinquência, o roubo, a manipulação da realidade. Ao menos, não temos, na América Latina atual, ditaduras militares – temos ditaduras ideológicas, presentes em Cuba, Venezuela, Nicarágua. Temos democracias imperfeitas, mas que podem ser corrigidas por meio de denúncias de roubos e das políticas mafiosas dos governos. Temos polícias imperfeitas, mas, no caso do Peru, vemos políticos e empresários que foram presos por má conduta. Isso é um fato novo em nossa história republicana. Ao menos significa um progresso em relação às ditaduras de anos passados, que nunca reconheciam os roubos, a putrefação em que viviam, privilegiando os tiranos que voltavam ricos para suas casas. A situação hoje é outra, tivemos um progresso. Não podemos nunca nos esquecer: a corrupção é uma praga terrível para a democracia, é preciso combatê-la com muita resolução e energia.
A ascensão de Donald Trump - em 2016
“A crise econômica afetou muito os Estados Unidos. Há ressentimento pela queda no padrão de vida, pela falta de emprego. E também por certos mitos, como o do imigrante que vai roubar trabalho e que ele leva violência ao país. Tudo isso é pura fantasia mentirosa que nasce de preconceitos muito enraizados em toda a sociedade contra os estrangeiros. E Trump, em sua campanha, apelou aos piores instintos. Esperemos que a maioria dos norte-americanos não respalde uma candidatura tão demagógica e tão pouco responsável”
O fracasso do marxismo - em 2021
“Há uma situação muito difícil na América Latina porque dá a impressão – e não só pelo que aconteceu em meu país – de que estamos retrocedendo à época das grandes aventuras marxistas, que fracassaram em todos os lugares. Onde o marxismo teve êxito? Em nenhum lugar. Desapareceu do mundo: China, Rússia, os países-satélites já não são comunistas. O fracasso foi muito evidente. E os casos na América Latina são muito dramáticos: em Cuba a população saiu às ruas para protestar, na Venezuela, 5 milhões de pessoas fugiram para não morrer de fome, e, na Nicarágua é algo vergonhoso, o comandante Daniel Ortega prende todos os adversários. O que se quer ressuscitar? Esses regimes se converteram em ditaduras, algo que temos uma longa tradição na América Latina"

A direita radical - em 2021
“Infelizmente, existe uma direita na América Latina muito reacionária, que se nega a aceitar tanto as mudanças como uma realidade que não pode ser de privilégios, de fortunas estabelecidas. Há que existir uma democracia genuína, autêntica. Então, essa direita é um grande obstáculo e está apoiada, sobretudo, na ideia do golpe militar. Eis a grande tradição da direita latino-americana, as ditaduras. Não queremos a revolução socialista, nem as ditaduras militares para a América Latina. Queremos a democracia e isso é o que é importante para a América Latina, mas, infelizmente esta é uma época muito negativa”
O impeachment de Dilma Rousseff - em 2016
“[Vejo] Com otimismo. No Brasil, há uma espécie de catarse da qual participa uma imensa quantidade de brasileiros que querem uma democracia decente e honrada, e não uma democracia de políticos que aproveitam o poder para enriquecer. O Brasil está dando um exemplo pela maneira radical com que está combatendo e querendo castigar os culpados pela corrupção. Que nas próximas eleições os brasileiros sejam mais lúcidos e não votem novamente em ladrões e escolham políticos honrados”
A vitória de Alberto Fernández na Argentina - em 2019
“Foi uma tragédia para a Argentina. Essa vocação suicida dos argentinos é algo verdadeiramente extraordinário, pois já se sabe que todos os problemas atuais do país foram causados pelo peronismo. Portanto, é impressionante que os eleitores reconduzissem ao poder essas pessoas que produzem uma política absolutamente catastrófica. Os argentinos vão lamentar enormemente a derrota de Mauricio Macri – claro que não foi um governo perfeito, mas, mesmo assim, não terá sido pior do que está por vir"
O liberalismo no Chile - em 2019
“O caso mais notável é o do Chile, que primeiro optou por acabar com uma ditadura feroz, sanguinária, que foi a de Pinochet. Mesmo assim, houve algo positivo para o país, que foi a política econômica que trouxe muita prosperidade. Assim, o acordo entre a direita e a esquerda para manter essa política econômica dentro da legalidade foi algo extraordinário do ponto de vista político e econômico, pois atraiu um progresso que o Chile nunca teve em sua história, uma política de pleno emprego. E não houve, na América Latina, um país que diminuiu tanto a pobreza, convertendo socialmente essas pessoas em classe média. Então, desse ponto de vista, o Chile era um caso de sucesso e, por isso, não se esperava aquela explosão social que tomou conta do país e que realmente surpreendeu o mundo. As bases materiais não justificam esse tipo de protesto. Mas algo falhou. A impaciência da classe média que se descobre limitada e impossibilitada de alcançar o progresso por causa de um sistema de privilégios é uma explicação. Nesse campo, o Chile não evoluiu como deveria e não criou um sistema de educação e de saúde públicas ao nível da privada. É uma hipótese para tentar explicar algo muito surpreendente”
Fake news - em 2019
“É um problema mundial provocado pela revolução digital, que transforma cada pessoa do planeta em uma espécie de jornalista ao divulgar notícias. Hoje, é difícil distinguir as notícias verdadeiras das fake news, vivemos uma espécie de confusão extraordinária. Temos de tomar todos os cuidados, pois não é impossível que uma sociedade seja manipulada pelas fake news”
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“Infelizmente, não é possível existir uma democracia sem mentiras. O mais importante é a existência de uma imprensa responsável, um jornalismo autêntico, honesto, que se dê conta da sua responsabilidade – muito maior hoje em dia, por conta da abundância das fake news. Não acredito que exista no governo democrático outra maneira de combate, porque já sabemos o resultado quando se estabelecem sistemas de censura na América Latina: surgem governos que só defenderam mentiras”