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Opinião|50 anos da 'Batalha da Maria Antonia'

Nos dias 2 e 3 de outubro de 1968, estudantes da USP e do Mackenzie se enfrentaram na chamada Batalha da rua Maria Antonia. Saldo: um estudante morto e o prédio da USP destruído.

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:
 Foto: Estadão

Fui ontem ao Centro Cultural Maria Antonia para palestras e (re)lançamento de dois livros referentes ao famoso conflito entre USP e Mackenzie nos dias 2 e 3 de outubro de 1968.

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O conflito, vocês lembram deixou morto um estudante secundarista e destroçado o prédio onde funcionavam os cursos da USP. Estes foram se abrigar, de maneira precária, na Cidade Universitária, nos locais que chamávamos de "barracos".

Bem, esse é o passado. Mas o passado não passa. Tem de ser lembrado, é registro da História. Memória é resistência. 

Nesse sentido, serão lançados o Livro Branco e Maria Antonia: uma Rua na Contramão. Ontem estavam disponíveis apenas exemplares para os autores presentes. Em alguns meses estarão nas livrarias. E, talvez, disponíveis online.

Para falar dos livros - e dos acontecimentos a que se referem - montaram-se duas mesas. Sobre o Livro Branco, com Carlos Alberto Barbosa Dantas (Caio) e Irene de Arruda Cardoso, com mediação de André Singer. Para Maria Antonia: uma Rua na Contramão, com Adélia Bezerra de Menezes, Franklin Leopoldo e Silva, Marilena Chauí, (José Arthur Gianotti não veio, por problemas de saúde). Medição de Maria Cecília Loschiavo dos Santos, organizadora do livro.

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 Foto: Estadão

Bem, não vou resumir falas ou debates, mas falar apenas do clima ambiente. O Salão Nobre, onde foram feitos, lotou. Acompanhamos as palestras por um telão, montado em outra sala, no primeiro andar. Depois, como a sala principal esvaziasse, pudemos subir e acompanhar as discussões ao vivo.

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Bom, imagino que para nós todos, que de uma maneira ou outra participamos da experiência da Rua Maria Antonia, a data seria lembrada de qualquer maneira. Mas existe também o momento histórico que vivemos, a tragédia de mais uma vez, e agora de maneira eleitoral, o Brasil flertar com o autoritarismo, para não dizer com o fascismo.

Este perigo, essa curiosa e trágica (ou farsesca) repetição da História, não passou despercebida nas falas dos professores. Mas, bem à maneira uspiana, sem estabelecer ligações diretas ou mecânicas entre um período e outro. Há que guardar diferenças e atentar para nuances. Filosofia não é para apressadinhos.

Cabe lembrar que a Batalha da Maria Antonia não foi uma mera briga entre faculdades rivais. Foi luta política entre a USP, majoritariamente de esquerda e contra a ditadura, e estudantes de direita do Mackenzie, entre os quais havia integrantes do grupo fascista CCC (Comando de Caça aos Comunistas) e membros da polícia e dos órgãos de segurança. Vivíamos a ditadura militar, as tensões acentuavam-se e, na época, não sabíamos que tudo aquilo iria desembocar no AI-5, Ato Institucional nº 5, que fechou de vez a ditadura, e aboliu todos os direitos políticos e individuais. Foi decretado dois meses depois, dia 13 de dezembro de 1968, atirou o país nas trevas e vigorou por dez anos.

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Cabe, à esta altura do campeonato, não ser maniqueísta. Nem todos os alunos do Mackenzie eram de direita ou pertenciam ao CCC. Havia muitos mackenzistas de esquerda e contrários à ditadura, e estes, como lembrou o professor Franklin, "sofriam até mais que nós", pois viviam na boca do lobo e eram os primeiros a apanhar quando os conflitos estouravam.

Para mim, é sempre uma emoção entrar naquele velho prédio, que hoje abriga o Centro Cultural Maria Antonia. Em minha época de estudante secundarista, aluno do Colégio Estadual de São Paulo e já bastante politizado, ia muito à Faculdade de Filosofia. Lembro que, em greve, e para não desmobilizar professores e estudantes, faziam-se lá cursos livres, que às vezes eram até mais estimulantes que os cursos regulares.

Respirava-se uma energia vital como nunca mais experimentei em minha vida. Havia uma sensação indefinida de que estávamos fazendo história e mudando o mundo. Ilusão? Sim, com certeza. Embriaguez revolucionária? Sim, por certo. Mas, e daí? Quem viveu aquilo, aquela delícia, viveu. E não se esquece jamais.

 Foto: Estadão

 Em 1968, eu não imaginaria que seria aluno de alguns daqueles professores que admirava na época. Cheguei à Filosofia como aluno regular apenas dez anos depois, e por vias transversas. Havia me formado em Psicologia e fazia pós-graduação quando algumas falhas de formação se faziam sentir no momento de pesquisar e escrever meu mestrado. Uma amiga sugeriu a Filosofia. E lá fui eu fazer vestibular de novo e entrar na Filo-USP em 1978.

Tive então o privilégio de ser aluno de Marilena Chauí, José Arthur Gianotti, Renato Janine Ribeiro, Franklin Leopoldo e Silva, Gérard Lebrun, Olgária Matos e vários outros. (Um dia quero fazer um inventário completo dos meu mestres em Filosofia, uma espécie de inventário de dívidas intelectuais).

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De modo que foi particularmente emocionante, para mim, ver e ouvir na mesa de debates dois dos meus antigos mestres, Franklin e Marilena Chauí. No meu tempo de faculdade, Franklin ensinava Kant com sua voz baixa e seu rigor. Exigia de nós uma concentração sobre-humana para não nos perdermos naquele emaranhado de raciocínio abstrato. Com Marilena fiz o curso de Introdução à Filosofia e, anos depois, de Filosofia Moderna, se não me engano.

A ela devo muito, mais que aos outros, e explico o por quê. Estava enredado na redação da minha dissertação de mestrado (sobre o conceito de interpretação em Freud e Lacan) e não conseguia avançar. Meu orientador não tinha lá muito tempo para mim. Eu fazia o curso de Filosofia Moderna com a Marilena e, naquele ano, ela pediu que, à guisa de avaliação, desenvolvêssemos, ao longo do curso, uma pesquisa sobre algum tema a ser apresentado no final do semestre. Perguntei a ela se poderia ser o meu tema de dissertação em psicanálise. Ela concordou e, dessa forma, ganhei uma orientadora extra-oficial, de imensa valia na conclusão do meu mestrado.

Autobiografia à parte, me tocou muito ver Marilena em pleníssima forma, cheia de alegria e entusiasmo. Confesso que esperava clima mais depressivo na Maria Antonia, devido às últimas pesquisas eleitorais e ameaças fascistas que nos rondam. Mas não. A fala de Marilena foi de uma energia única. Lembrou que depois da Batalha de 1968, a Filosofia foi desalojada da Maria Antonia, no centro da cidade, e abrigada na então periférica Cidade Universitária, no Butantã. "Para nós, era o pasto", diz ela, recordando a relação orgânica que a antiga faculdade mantinha com a cidade, com seus bares, cafés, teatros, jornais. Era algo vital, que foi cortado com esse desterro.

No entanto, no "pasto", a faculdade se fez e se reinventou. Como diz a Marilena, "eles nunca nos vencem". Nós sempre renascemos - para perder de novo, "porque não fizemos a Revolução".

O final de sua fala foi uma profissão de fé na inteligência, no conhecimento, e na alegria. E um ataque à ignorância, porque a ignorância é o mal, e o mal traz a violência.

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O desfecho foi genial:

"Nossa missão é trazer o bem; e olha que não somos evangélicos!"

Inteligência, coragem, ironia. Grande Marilena Chauí!

O encontro me fez um tremendo bem. Não estamos mortos. Jamais estaremos.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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