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Opinião|A arte da crítica (23): as cenas mágicas

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Quase todos os filmes (pelo menos os grandes, mas não apenas) trazem uma cena ou sequência marcantes. Aquelas que - como dizemos - valem pelo filme inteiro. São como metonímias da obra: a parte vale pelo todo. 

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Funcionam como momentos poéticos, que possuem luz própria. Produzem, em alguns espectadores, aquela sensação de iluminação, de "epifania", para usar um termo caro a James Joyce.

Podem "resumir", em pouco tempo, segundos às vezes, todo o significado de conjunto de um longa-metragem. 

Ou ainda, iluminam o conjunto e lhe dão um significado outro, em outro nível, potencializado. Eu diria, sem querer ser pedante, que "ressignificam" a obra. 

Em termos de estrutura crítica, é claro que devemos visar o conjunto da obra. Mas a estratégia de muitos críticos é começar por uma cena (de preferência marcante) e desenvolver seu raciocínio em torno dela para alcançar o conjunto. Era o caso do meu saudoso amigo, o crítico carioca José Carlos Avellar, que lapidou ao longo da vida esse estilo de texto. 

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A título de exemplo, cito alguns casos dessas sequências ou cenas iluminadoras. Cada um de vocês terá as suas. Obs. Há spoilers. Se você ligar para isso, mesmo em obras antigas, deixe o texto de lado. Senão, vá em frente. 

Terra em Transe, de Glauber Rocha A fala de Porfírio Diaz (Paulo Autran). Há todo um ensaio sobre o autoritarismo brasileiro nessa proposta desvairada de chegar a uma civilização pelo uso da força. Não nos diz muito sobre o Brasil contemporâneo?

A Longa Noite de Loucuras (La Notte Brava), de Mauro Bolognini). A sequência final, quando o personagem de Franco Interlenghi, depois de satisfazer seus caprichos boêmios, aproxima-se de casa e percebe que ainda lhe sobrou algum trocado no bolso. Amarrota a nota e a joga para baixo de uma ponte. A câmera mostra o dinheiro amassado no último plano do filme. Tantas significações aí...

Sonata de Outono, de Ingmar Bergman. O prelúdio de Chopin é tocado por mãe (Ingrid Bergman) e filha (Liv Ullmann). Liv toca bem, para uma amadora. Depois, a mãe, uma concertista famosa, mostra o que é interpretar Chopin para valer. A câmera concentra-se no rosto devastado de Liv. 

O Conformista, de Bernardo Bertolucci. O personagem de Jean-Louis Trintignant converte-se ao fascismo e tem por missão assassinar seu antigo professor, um homem de esquerda. Ele anda pelas ruas de Paris e é abordado por uma florista acompanhada de duas crianças. Ela lhe oferece violetas (de Parma) e pede aos filhos que cantem para o cliente. Elas entoam a Internacional, o hino comunista. Cena estranha, plena de significados para alguém que (imagino) traiu a si mesmo no mais profundo do ser. 

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81/2, de Federico Fellini. Num filme cheio de cenas mágicas, escolho a sequência final, a ciranda em que o diretor em crise (Marcello Mastroianni) reconcilia todas as figuras incongruentes de sua vida - o pai, a mãe, a mulher, a amante, o produtor...e até o crítico impiedoso, que ele fantasiou enforcar em outra cena. Tudo ao som do circo metafísico sonoro de Nino Rota. 

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Cidadão Kane, de Orson Welles. Pode ser até banal lembrar disso, mas me parece inevitável lembrar a cena em que, no final do filme, o trenó é lambido pelas chamas e revela ao espectador o significado da palavra Rosebud. Lembro a primeira vez que vi o filme, sem nada saber dele. Essa cena me deixou pregado na cadeira, estupefato, sem saber o que pensar. Me recordo da sensação até hoje. 

A Doce Vida, de Federico Fellini. O filme já abre com uma dessas sequências clássicas: o helicóptero sobrevoa Roma transportando uma estátua do Cristo. Síntese do sacro e do profano. Meu cineasta favorito, Fellini é pródigo nesse tipo de imagem marcante. Só para lembrar uma ou outra: em E la Nave Va, os músicos velhinhos tocando o Momento Musical, de Mendelsohn, em copos d'água na cozinha do navio. Em I Clown (Os Palhaços), o velho palhaço, triste e cansado, pergunta ao cineasta: "Dottore, posso andare a casa?". De cortar o coração. 

São Bernardo, de Leon Hirszman. A cena final, quando um amargurado Paulo Honório (Othon Bastos) em seu monólogo final vai desaparecendo no escuro, à medida em que a vela se extingue. A força da sequência deve demais à magnífica fotografia de Lauro Escorel. 

E etc. 

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(Work in progress. Continua)

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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