
Uma semana de boas estreias, com destaque para um filme excepcional - Misericórdia, do francês Alain Guiraudie. Foi escolhido como melhor filme do ano pela revista Cahiers du Cinéma. É um caso bem misterioso de "volta ao lar". Um rapaz retorna à cidadezinha após a morte do seu antigo patrão, um padeiro. Hospeda-se na casa da viúva mas não parece muito bem-vindo pelo filho dela. Outras relações se desenham - e de forma estranha, como a que envolve o recém-chegado e o padre local. Um filme de atmosfera, em que os atos parecem sempre sem conclusão, mas instauram um clima indefinido, no qual o espectador é mergulhado. Excelente filme, em especial para quem gosta de obras fora do habitual.
Além dele, o ótimo documentário brasileiro Luiz Melodia - no Coração do Brasil, com imagens raras do talentoso cantor e compositor, que nos deixou tão cedo. Um doc musical com muita música, o que é ótimo mas não tão frequente, embora se entenda a razão: os direitos autorais são escorchantes, em especial para documentários, gênero que raramente faz sucesso no cinema. Aqui não foi o caso e podemos ver e ouvir Melô à vontade, desfilando todo seu talento.
Mais música - e desta vez na biopic Maria Callas sobre a (talvez) mais famosa cantora de ópera de todos os tempos. No filme dirigido por Pablo Larraín, Callas é vivida por Angelina Jolie, o que tem valido muitas críticas ao filme. Fui com o pé atrás, mas acabei gostando. Retrata a fase final da cantora, quando sua voz já não era a mesma, e nem a fama. Um filme crepuscular, triste.
Outra atração é o espanhol Redenção, ficção poderosa de Icíar Bollaín, sobre eventos traumáticos da história espanhola. Maixabel (Blanca Portillo) é viúva de um homem assassinado pelo ETA. Onze anos depois do crime, ela tem a possibilidade de entrevistar-se com os homens que assassinaram seu marido. Pode ser um caminho - bastante áspero - para o entendimento e o perdão.
Há certa recorrência desse tema. Haja vista a (ótima) série Pátria, na Netflix. Além da imensa ferida histórica da Guerra Civil Espanhola (presente em Madres Paralelas, de Pedro Almodóvar), há esta, a das vítimas do grupo Pátria Basca e Liberdade (ETA) em sua luta armada pela separação.
Redenção, dirigido por Iciar Bollaín, tem boa estrutura - em particular pela atuação de Blanca Portillo (venceu o Goya de melhor atriz). Alguns momentos poderiam parecer um tanto forçados, não fosse essa sobriedade na dor.
Esses filmes são sintomas do esforço espanhol em fechar suas feridas. Virar a página da História não significa esquecê-las, mas superá-las no plano mais alto do diálogo. Nunca fizemos isso por aqui.