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Opinião | Diário de Brasília (13): É Proibido Fumar

Em sua primeira parte, É Proibido Fumar, de Anna Muylaert, parece uma comédia rasgada. Depois, muda de tom e a apreensão passa a ser o sentimento dominante, até que tudo se encaminhe para uma zona de pacificação. Uma quietude enganosa, como verá o espectador do filme, que estreia dia 4 de dezembro em circuito comercial. Em seu segundo longa-metragem (o primeiro é o também excelente Durval Discos), Anna reafirma esse talento em conduzir o público por sentimentos contraditórios e guinadas bruscas. Traz de volta a Brasília aquela que, sem dúvida, está sendo a grande estrela do festival, a atriz Gloria Pires.

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Gloria já havia participado da polêmica abertura do festival interpretando dona Lindu em Lula, o Filho do Brasil, de Fábio Barreto. Agora ela sai da pele de mãe do futuro presidente da República para entrar sem qualquer dificuldade na de Baby, modesta professora de violão, fumante compulsiva e apaixonada por um novo vizinho, Max (Paulo Miklos). Vamos dizer logo de saída: se o júri tiver um mínimo de juízo, o prêmio de atriz já está definido e vai para Gloria Pires. E, talvez, o de ator fique bem com Paulo Miklos. Ambos formam um casal difícil de ser esquecido.

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Vivendo no apartamento que herdou da mãe, Baby ensina violão para velhotas e garotos desinteressados. Max, o vizinho que se mudou para o apartamento ao lado, toca guitarra numa churrascaria. Ela fuma; ele não. Ela é solteira; ele separou-se de uma modelo, Estelinha, que define como problemática e temperamental, além de linda. Ela é ciumenta; ele acha que não há motivos para isso. A relação evolui, mas não na direção que se poderia prever.

Em É Proibido Fumar, Anna Muylaert reafirma-se como cineasta de sotaque paulistano. A cidade lá está, como impressão digital do filme, da mesma forma estava em Durval Discos. E está, digamos assim, de maneira orgânica, e não de modo acessório como paisagem ou ornamentação. Impregna tudo, da maneira de falar da pessoas a um modo de vida, que é o da pequena classe média paulistana, que talvez já tenha conhecido tempos melhores. Todas essas referências compõem o tecido da narrativa, muito bem construída pelas imagens de Jacob Solitrenik e costurada pela montagem de Paulo Sacramento. O filme flui e você "entra" nele, como quem entra no apartamento de cômodos pequenos e atulhados de Baby. Esses espaços reduzidos, tão íntimos como claustrofóbicos, são explorados de maneira muito esperta pela câmera e pelos enquadramentos.

É Proibido Fumar entra na categoria daquele tipo de filme que, como as comédias italianas de Dino Risi e Mario Monicelli, diz muito mais do parece à primeira vista. Entre risos e aflições, fala do neo-puritanismo contemporâneo, propõe um dilema ético e elege a cumplicidade amorosa como valor absoluto neste mundo de intenso relativismo moral. Não é pouca coisa, não.

Curtas A mostra de curtas-metragens prossegue forte, dando a impressão de ser a melhor dos últimos anos. Carreto, de Marília Hughes e Claudio Marques (BA), tira sua poesia da simplicidade, com a história de um menino que tenta arrumar uma cadeira de rodas para uma garota deficiente. De poucos diálogos, trabalha com espaços aberto, numa descrição a princípio quase etnográfica. O sentido da solidariedade humana, expresso por um menino, torna-se comovente, exatamente porque evita a vitimização dos personagens.

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Em A Noite por Testemunha, o brasiliense Bruno Torres aborda um tema traumático para sua cidade e geração - o crime que cinco rapazes cometeram em 1997, queimando e matando um índio patachó, Galdino, que dormia numa parada de ônibus. "O filme é livre adaptação de fatos verídicos", diz o diretor. O desafio era não ser óbvio numa história cujo desfecho todos conhecem. A bem-sucedida solução foi fragmentar a narrativa e trabalhar sobre a culpa dos protagonistas, um trabalho que, de acordo com Bruno, teve influência de leituras de Nietzsche, Freud e Moacyr Scliar. O resultado de toda essa maturação emocional e intelectual é um filme impactante, que faz refletir sobre a pulsão destrutiva de parte da juventude.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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