Sei que muita gente adora Paul Verhoeven. Não estou entre eles, embora goste bastante de Instinto Selvagem, mas talvez seja mais por causa da Sharon...Em todo caso, vejam aí o que escrevi sobre A Espiã, que entra hoje em cartaz.
Talvez não haja diretor mais supervalorizado por parte da crítica do que Paul Verhoeven. Robocop, Tropas Estelares e Showgirls já foram objeto de análises muitas vezes mais inteligentes (ou pelo menos mais 'intelectuais') do que os filmes em si. Instinto Selvagem talvez seja o mais interessante de todos e isso se deve ao fato de que nele Verhoeven tenha ido mais a fundo nas ambigüidades da relação (sexual) entre os seres humanos. De costume, ele fica na superfície, o que tem garantido bom trânsito, tanto na crítica quanto na bilheteria.
Enfim, A Espiã (no original Zwartboek, O Livro Negro) não parece uma exceção à regra. Trata-se de uma aventura passada durante a 2ª Guerra Mundial, saga de uma moça judia que se finge de colaboradora do nazismo ao participar da Resistência holandesa. Ou seja, tem que se passar por alguém que não é, circunstância que sempre pode render boas situações. O filme concorreu no último Festival de Veneza (sem maiores repercussões) e gerou um pouco de tititi com a cena em que a protagonista Rachel (a interessantíssima Carice van Houten) pinta os pêlos pubianos para aparentar ser ariana de boa cepa. Há quem veja aí grande coisa, mas não é para tanto em termos de ousadia cinematográfica.
O mais interessante a notar é o ritmo de A Espiã. Fiel ao seu modo Robocop de ser, Verhoeven não dá um descanso, uma folguinha sequer ao espectador. Vai no embalo da pauleira pura e em escalada de violência que termina numa insuportável cena de vingança. Bem, hoje em dia fazer objeções à violência ficou completamente fora de moda, uma vez que ela se tornou quase um valor em si. Mas talvez tenha chegado a hora de refletir (de novo) sobre o papel da violência na ficção e nas maneiras de representá-la. Mas isso não é com Verhoeven.
De qualquer forma, não seria justo pintar o filme pior do que ele é. Basta vê-lo como apenas uma aventura de guerra, sem qualquer pretensão reflexiva, característica comum a grande parte da obra de Verhoeven, da qual este A Espiã é um típico exemplar.
A idéia interessante, batida centenas de vezes (mas este não é um problema) é que, nas condições de guerra, as pessoas reagem de maneira diferente. As leis da convivialidade são abolidas, ou pelo menos colocadas entre parênteses, e então sobreviver se torna quase a única obrigação. Rachel, como verá o espectador, tem suas razões para defrontar-se com os nazistas. E se colocará, de corpo inteiro, se me permitem a expressão abusiva, a serviço aparente de uma causa. E, dessa forma, ela, em tese, passaria de um plano individual, a mera sobrevivência, a outro, político, em que faria parte da resistência ao invasor.
E é mais ou menos por aí que o filme bate pino, dada a escassa vocação de Verhoeven em mexer com temas políticos ou ações coletivas. Seus personagens se movem por impulsos individuais, seja por mero interesse, seja por instinto mesmo. Fica difícil conciliá-los com esse outro plano da ação humana que é a associação com parceiros para a conquista de um objetivo comum. Em Verhoeven esses planos não se articulam muito bem. Daí a sensação de fraqueza do filme, se quisermos tê-lo por aquilo que não é.
De resto, se deixarmos de lado a discussão da violência e considerarmos o contexto histórico como mero pano de fundo, poderemos até curtir A Espião como um bom filme de aventuras, tendo como protagonista uma Carice van Houten cheia de energia e progesterona. Pauleira e hormônios - essa é a visão de mundo de Paul Verhoeven, e não se deveria exigir mais dele.
(Caderno 2, 11/1/08)