A opção temática - chefs da venerável cozinha francesa - dá a entender que o filme ficaria na esfera da gastronomia. E não teria qualquer problema se assim fosse, porque comer bem é uma das nobres artes humanas, praticada e lapidada desde que descemos das árvores, e que tem nos franceses seus cultores supremos. Basta ver o papel que a arte alimentar ocupa em sua conversação diária, mais ou menos como o futebol na nossa.
Mas a verdade é que o documentário vai além do que promete. Belhassen, francês ele também, além de entrevistar os chefs, volta para a França, para as cidades natais dos depoentes e ouve o que têm a dizer os pais de vários deles, seus amigos e conhecidos.
Nesses momentos é que a pergunta inicial do filme se impõe com toda força, porque, de fato, trata-se de uma obra sobre a imigração. Por que motivos deixamos nossa pátria e vamos buscar outra, na qual tudo nos é estranho, dos costumes ao idioma? E, no caso dos chefs, das receitas aos produtos básicos para tirá-las do papel e transformá-las em um prato inesquecível?
No caso deles, em particular, esse impulso migratório é ainda mais misterioso, porque, com uma única exceção, não são premidos pela necessidade econômica imediata. Saem de um país maravilhoso e vão em busca do novo. Os motivos são variados, e vão desde o simples desejo de aventura até a possibilidade de desenvolver-se na profissão de maneira mais livre.
Em todo caso, é muito divertido ver como se adaptam. Um deles, por exemplo, vai ao mercado toda manhã atrás dos produtos mais fresquinhos, mas não se furta a entrar num botequim para pedir uma cerveja matinal ou dar uma passadinha na barraca de pastel. Mesmo para um chef francês, um pastelzinho de feira - ou de mercado - é irresistível. O pastel, a cervejinha, e alguns outros tiques são apenas sintomas desse processo simpático de aculturação brasileira por que passam os chefs.
Alternando bons momentos cinematográficos a outros em que flerta um pouco com o vídeo doméstico, Por que Você Partiu? busca a emoção sobretudo nos pais, que se viram separados dos filhos por sua opção de mudar de país. Deve-se dizer que nem tudo é bom nessa opção de confronto entre pais e filhos, e muitas vezes o documentário abre a fresta perigosa do sentimentalismo. Mas o espírito gaulês se sobrepõe à tentação meridional e evita que a pieguice se imponha.
Num balanço geral, o que fica é a impressão de um filme simpático, bastante simples, uma celebração do transculturalismo pela via do estômago. Mas, além de celebrar esse órgão, o filme é feito também com o coração, o que redime muitos dos seus pecados estéticos.
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