Foto do(a) blog

Cinema, cultura & afins

Opinião | Raça

Joel Zito Araújo é um cineasta preocupado com a discriminação racial no Brasil. Sua obra gira em torno do tema, em obras documentais como A Negação do Brasil (livro e filme, sobre a invisibilidade do negro na dramaturgia brasileira) e ficcionais, como Filhas do Vento, vencedor de oito kikitos em Gramado. Seu novo trabalho, Raça, feito em parceria com a documentarista norte-americana Megan Mylan, vai na mesma linha.

PUBLICIDADE

Foto do author Luiz Zanin Oricchio

Raça elege três pontos de vista para convergir na discussão de um mesmo problema. No primeiro, acompanhamos os dez anos de luta parlamentar para fazer aprovar o Estatuto da Igualdade Racial. No segundo, outra batalha, a dos moradores do Quilomobo de Lizarinho para evitar que uma multinacional se apoderasse de suas terras. No terceiro, a saga da implantação da TV da Gente, um veículo de comunicação cujos dirigentes e funcionários eram, em sua maioria, composta por negros.

PUBLICIDADE

Os segmentos narrativos se interligam e se alternam ao longo do documentário. E cada um tem uma espécie de condutor, nessa que é uma luta coletiva por direitos. No plano político, o destaque fica para o senador Paulo Paim, em suas negociações pela aprovação do Estatuto da Igualdade Racial. Entre os quilombolas, destaca-se a carismática Dona Miúda. E, na luta pela implantação da TV da Gente, o autor da ideia, o cantor Netinho de Paula.

Raça é um exercício de cinema direto, com os diretores acompanhando seus personagens durante vários anos. Ou seja, a ideia de base é captar não um resultado alcançado, mas um processo que se faz, com muita dificuldade e raramente evolui em linha reta. Pelo contrário, como são muitas as resistências, esses personagens são obrigados ora a negociar, ora a pressionar, ora a arrumar aliados, às vezes inesperados para fazer com que suas causas andem.

Por um lado, nota-se a crítica embutida na maneira como as falas dos personagens e suas ações são colocadas na tela. O pressuposto, implícito, é de que a sociedade teve informações muitas vezes incompletas ou unilaterais sobre temas como as cotas raciais, a posse da terra ou o oligopólio dos meios de comunicação. O filme entra nesse vácuo, nessa carência informativa.

Por outro, há também a decisão de não dar por findo percursos ainda em suspenso. Precisa-se ir ao Google para saber o que foi feito da TV da Gente. O filme não informa. As conquistas, mesmo aparentemente históricas, parecem ainda frágeis e provisórias. É um inacabamento interessante. Sugere que a luta mal começou.

Publicidade

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.