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Opinião|Vitória 2024: 'Sekhdese', a sabedoria indígena contra o trator evangélico

Foto do author Luiz Zanin Oricchio

 

 

VITÓRIA - Com a apresentação de um longa, Sekhdese, e mais quatro curtas, foram encerradas ontem as mostras competitivas do 31º Festival de Vitória. Para hoje à noite estão programadas a homenagem ao ator Lázaro Ramos e a divulgação dos premiados.

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Sekhdese quer dizer "sabedoria" em Yathê, na língua Fulni-ô. No filme de Graciela Guarani e Alice Gouveia, essa sabedoria se expressa em depoimentos de indígenas, em especial mulheres, que falam da luta pela terra, preservação da natureza e dos ataques de que são vítimas. O agressor principal sendo aqui as igrejas evangélicas, que minam a tradição dos indígenas, impondo sua fé e desacreditando as crenças dos povos originários. Um verdadeiro etnocídio cultural.

O filme é importante e alguns depoimentos são de fato muito fortes. Pena que a constante de cabeças falantes, filmadas em super-close, acabe cansando o espectador por sua monotonia. A causa é ótima e estamos todos de acordo com ela. Tudo é urgente. E sentimos isso, em especial, quando se traz uma fala de arquivo de Damares Alves dizendo que é preciso avançar e que havia chegado a hora de a igreja governar. Ou seja, hora de impor ao país inteiro uma teocracia conservadora que, aliás, é anticonstitucional, pois, até prova em contrário, o Estado brasileiro continua laico - isto é, garantidor da liberdade de crença.

Dito isso e, mais uma vez, jamais colocando em causa pautas mais do que justas, talvez tenha chegado o momento de o cinema militante brasileiro (e não apenas o pró-indígena) se repensar e encontrar formas mais criativas de passar suas mensagens. A mesmice formal acaba por comprometer seus efeitos sobre a consciência do público.

Hoje é noite de prêmios. Quem ganha? Não tenho a menor ideia. Há muito deixei de ter confiança em júris, comissões de seleção, etc. Movem-se muito mais pela adequação das obras a pautas do momento do que por questões estéticas. Então, pode dar qualquer coisa.

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No entanto, e me atenho apenas à qualidade dos filmes, eu destacaria dois deles, Quando Eu Me Encontrar, de Amanda Pontes e Michelline Helena, e Presença, de Erly Vieira Jr. Ambos conseguem unir emoção e rigor formal. O primeiro ao mergulhar no intimismo de uma mãe saudosa de sua filha desaparecida; o outro, pondo em destaque artistas plásticos que usam o próprio como matéria expressiva.

Não Existe Almoço Grátis, de Marcos Nepomuceno e Pedro Charbel, ao destacar três mulheres das cozinhas comunitárias do MTST, tem sua importância política. Café, Pepi e Limão, de Adler Kibe Paz e Pedro Léo, fala da infância desassistida e se perde um pouco pelo brutalismo das imagens.

Portanto, o balanço da mostra é positivo. Não há obras-primas, longe disso, mas estas são raras hoje em dia. Há bons filmes e pelo menos dois deles acima da média do cinema brasileiro atual.

Entre os curtas, gostei mais de Quinze Quase Dezesseis, o singelo trabalho de Thais Fujinaga com a adolescência e o tema do abuso sexual. Também gostei do engenhoso Eu Fui Assistente de Eduardo Coutinho, de Allan Ribeiro, que constrói sua memória do saudoso documentarista em torno de uma breve sequência cinematográfica.

No último dia apareceram outros dois curtas nada banais: Pássaro Memória, de Leonardo Martinelli, e Quebrante, de Janaina Wagner. O primeiro pode parecer um tanto frio, mas é obrigatório elogiar o rigor de sua construção formal. Fala de um pássaro que perdeu o rumo de casa e uma mulher trans que tenta ajudá-lo. O segundo se destaca pelo sentimento de estranheza que impulsiona a imaginação. Como diz a sinopse, percorre ruínas da Transamazônica, retratando suas pedras e fantasmas. São dois filmes que sobressaem, a exemplo dos dois primeiros destacados. Serão lembrados pelos júris?

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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