A indústria do livro no País tem um objetivo: fazer o governo comprar livros para bibliotecas públicas de modo sistemático. O principal argumento que pretende usar acaba de ser anunciado: um levantamento nacional sobre o hábito de leitura do brasileiro. "Não são resultados bombásticos, mas são informações relevantes", afirma o presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), Paulo Rocco, dono da editora que leva seu sobrenome. O Snel é um dos patrocinadores da pesquisa, com a Câmara Brasileira do Livro, a Associação Brasileira dos Editores de Livros e a Associação Brasileira dos Fabricantes de Papel e Celulose. Ao todo, foram realizadas 5.980 entrevistas, em 46 cidades brasileiras. A partir dos dados da pesquisa, pode-se afirmar que 26 milhões de brasileiros com 14 anos ou mais e com pelo menos três anos de instrução leram um livro nos três meses que antecederam o levantamento - incluindo todos os gêneros: obras religiosas, biografias, romances, culinária, divulgação científica. etc. Os 26 milhões representam 30% dos 86 milhões de brasileiros que formam o universo do trabalho. No dia em que foram entrevistados, em média, 14% afirmavam que estavam lendo pelo menos um livro, o que significa um total de 12 milhões de leitores. É o mesmo número dos que afirmam "não ler nada" - nem jornais ou revistas. A principal alegação para não ler nada é falta de tempo (39%). Mas os pesquisadores consideram como barreiras efetivas - ou seja, aquelas que de fato devem ser consideradas - a falta de dinheiro (11%), dificuldades para entender as frases (10%) e a preferência de outros meios para a obtenção de informações (8%). Os leitores potenciais - ou seja, aqueles que afirmam que "costumam ler" - são 62% dos brasileiros adultos alfabetizados. Há, portanto, 32% (27 milhões) que, embora afirmem ter o hábito de leitura, não pegaram num só livro nos três meses que antecederam a pesquisa. Como o levantamento foi feito no fim de janeiro e início de fevereiro - período de férias -, ele foi pouco contaminado pelo livro didático, que representou, em 2000, 64% da produção de livros no País, grande parte dela comprada pelo governo federal. Poucos livros - É integrar esse público o grande sonho da indústria livreira - que movimenta, diretamente, R$ 2 bilhões por ano. Incluindo a distribuição, esse valor chegaria a R$ 4 bilhões. Porém, há um obstáculo para essa integração: o número de compradores de livros. Segundo o levantamento, 12 milhões compraram pelo menos um livro em 2000, utilizando-se de diferentes canais de distribuição. O problema é que o comprador médio integra as classes B e C e fez o ensino médio - parcela em que o preço do livro já é um fator restritivo. O brasileiro alfabetizado médio tem apenas 42 livros em casa. Só possui biblioteca, com mais de 500 livros, 1% dos entrevistados. O leitor no Brasil, portanto, não está apenas na elite socioeconômica ou cultural, mas, até agora, é só essa elite que sustenta a edição de obras não-didáticas. Aliado a esse dado, a pesquisa constatou que, entre os que estavam lendo um livro no dia da pesquisa, aproximadamente metade tinha comprado o próprio livro e apenas 8% haviam emprestado o livro numa biblioteca e 4% tinham pego o livro na escola. "Isso indica que se pode agir dos dois lados", afirma Raul Wassermann, presidente da Câmara Brasileira do Livro. "É preciso montar uma rede de bibliotecas públicas; há também um mercado potencial para o livro popular para quem quiser se arriscar." Ou seja: os editores defendem que o Estado deve se transformar num comprador regular e importante de livros não-didáticos. No ano passado, as bibliotecas brasileiras, segundo outro levantamento de mercado, feito anualmente pela CBL, responderam por cerca de apenas 1 milhão de exemplares - num universo total de 329 milhões de exemplares. Só neste ano, o governo de São Paulo está comprando 3 milhões de novos exemplares para escolas estaduais. Na argumentação dos sindicatos que representam as editoras, as compras realizadas por governos fariam a máquina girar - provocariam um aumento nas tiragens médias, ajudando, num prazo mais longo, a baratear o preço do produto até nas livrarias. A pesquisa mostrou também que a leitura é um hábito crescente quanto mais jovem é a população. Têm o hábito de ler livros 45% dos que têm entre 14 e 19 anos e 33% dos que têm de 20 a 29. Na faixa de 30 a 39 anos, 28% leram pelo menos um livro em três meses, número que cai para 24% quando se passa dos 40 anos. Banco escolar - Os números da primeira faixa, a que mais lê no País, são influenciados pela escola. Afinal, a faixa mais jovem analisada está, boa parte dela, dentro da escola e tem leituras exigidas para sua formação. Mas, como a tendência se mantém depois que o entrevistado deixa a escola, é possível apontar um relativo sucesso do sistema educacional. Além disso, o levantamento pode ajudar o mercado editorial a encontrar caminhos que não sejam tão dependentes de decisões governamentais. Os dados mostram que há um número de leitores significativo em Estados em que a distribuição de livros é muito frágil, como no Nordeste. A região tem, em números absolutos, um número de leitores que se aproxima do que existe no Sul do País. Em média, lê-se mais em Salvador (47% dos entrevistados leram um livro em três meses) do que em São Paulo (36%) e Porto Alegre (39%). Brasília é a campeã da leitura (69%). O levantamento também indica um interesse grande por gêneros pouco ou mal explorados pelos editores. É o caso da poesia, que 26% das mulheres e 19% dos homens afirmam ler habitualmente (em meio a múltiplas respostas). E mostra que a venda de livros pela Internet já chega até às classes D e E.