Em "Modern Times", álbum vencedor do Grammy em 2006, Bob Dylan cantava: "Vocês acham que eu já vivi meu auge. Vocês acham que já passei do meu melhor. Vamos ver o que vocês conseguem. Podemos nos divertir para valer". Nesta semana, os brasileiros poderão ver essa lenda viva do rock pela primeira vez em dez anos, período em que ele provou que já passou por tudo, mas continua no auge. Seus três últimos discos -- "Time Out of Mind", "Love and Theft" e "Modern Times" -- foram aclamados como sendo sua principal trilogia desde os três discos que revolucionaram o rock na década de 1960. Sua autobiografia "Chronicles", lançada em 2004, foi um best-seller. Ele foi tema de um documentário de Martin Scorsese, "No Direction Home", e de um filme de ficção "Não Estou Lá", em que seis atores o interpretam -- inclusive Cate Blanchett, indicada ao Oscar. Ele próprio ganhou um Oscar, além de uma penca de Grammys. Por isso, os shows de quarta e quinta-feira em São Paulo e sábado no Rio de Janeiro prometem ser qualquer coisa, menos um exercício de nostalgia. Eles formam parte de uma turnê latino-americana que também inclui México, Chile, Argentina e Uruguai. As turbulências políticas e a repressão militar que marcaram várias décadas na América Latina explicam em parte por que as canções de Dylan sempre ressoaram tão fortemente por aqui. De fato, artistas como Caetano Veloso, o cubano Silvio Rodríguez e o falecido chileno Victor Jara foram várias vezes comparados a Dylan. A atual turnê também pode ser considerada parte daquela que foi apelidada de "turnê infinita", que começou em 1988 e leva Dylan a fazer cem shows por ano, seja em obscuras feiras rurais dos EUA ou em balneários espanhóis. O que estimula um artista de 66 anos a passar tanto tempo com o pé na estrada é parte do enigma Dylan, embora em raras entrevistas ele explique que só viajando se sente em casa, e que tocar diante de platéias é sua razão de viver. Então, o que o público brasileiro pode esperar? PREÇO ABUSIVO O lado negativo é que a voz dele, bastante abalada hoje em dia, parece a de um sapo com laringite. E ele só vai tocar guitarra em algumas músicas, antes de passar para os teclados. Mas a alegria é ouvi-lo reinterpretar de forma radical alguns velhos temas, a ponto de que se pode escutá-lo durante vários minutos antes de identificar qual é a canção. A banda também é ótima, com um estilo que busca as raízes da música "folk" norte-americana. Nunca se sabe o que ele vai escolher entre o seu vasto repertório. Nos dois shows desta semana na Cidade do México, foram 26 músicas diferentes no total -- cada show tinha 17 canções. E as velhas músicas podem ter poder renovado nestes turbulentos tempos globais. "Masters of War" ("senhores da guerra") tem sido habitual nos seus shows e soa tão atual quanto em 1963, quando foi composta. Há também o "momento mágico", aquela música que deixa toda a platéia --ou mesmo um só indivíduo-- em êxtase. Para mim, quando o vi em um show ao ar livre, em 2004, em uma cidadezinha nos arredores de Madri, foi "Boots of Spanish Leather". Em Fort Lauderdale, Flórida, em 2001, foi uma saltitante versão de "It Ain't Me, Babe". E no Brasil, quem vai saber? Essa é a graça. A única coisa realmente lamentável é o preço abusivo dos ingressos nos shows de São Paulo, que chega a 900 reais. Os fãs reclamam nos seus blogs, e as entradas não se esgotaram. Apesar do preço, decidi ir porque minhas duas filhas adolescentes estavam desesperadas para vê-lo antes que esteja velho demais para seguir adiante. Elas cresceram ouvindo Dylan e sabem quais músicas gostariam de escutar ao vivo. "Isso significa tanto para mim.... O impacto que ele teve sobre a música ao longo da carreira afetou todos nós!", escreveu em um email minha filha de 14 anos, aspirante a compositora e guitarrista. Eu espero que ele toque "Forever Young".
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