Lembro a primeira vez que ouvi Nick Drake. Foi Five Leaves Left (que saiu em 1969, um dos anos mais prolíficos e ricos nas artes), o primeiro de seus três álbuns lançados em vida (há um póstumo, Family Tree, de 2007, com gravações caseiras e demos). Do começo ao fim, uma jornada entre luz e sombras, cenas cinematográficas, lugares bucólicos, personagens curiosos, poesia.
+++ Nick Drake é celebrado no dia do seu 70º aniversário; inclusive, com projeto brasileiro
Nick teve sua maior inspiração em sua mãe, Molly Drake, cantora e compositora. Apesar de nunca ter lançado nenhum trabalho, existem algumas gravações caseiras feitas pelo seu marido, Rodney Drake (ator e exímio pianista), em fitas de rolo, onde Molly canta e toca piano. Me pergunto se essa admiração e a estreita relação com sua mãe foram a causa de sua profunda sensibilidade.
Suas canções são de uma simplicidade emocionante e, ao mesmo tempo, um tanto complexas. Sua voz doce, a poesia de suas letras e seu talento com o violão, não só a intimidade e domínio total do instrumento, mas a relação única – Nick usava afinações diferentes para as músicas, às vezes mudando a afinação no meio da canção – fazem dele um dos artistas mais importantes dos tempos modernos.
Foi somente alguns anos depois que ouvi Pink Moon (primeiro a música, depois soube que esse era o nome do seu terceiro álbum). De novo, fui arrebatada pela beleza das composições, os arranjos certeiros, tudo tão elegante e mágico. Como todo grande gênio, Nick era um jovem perturbado, extremamente tímido e, quando enfim saiu em turnê, bastaram poucos shows para nunca mais voltar aos palcos.
O problema eram os bares barulhentos, era difícil se fazer ouvir (e, por que até hoje continua sendo tão difícil às vezes???, pergunto eu) e, ainda por cima, com suas afinações diferentes demorava para afinar o violão entre uma canção e outra, o que não ajudava nada a plateia impaciente. Tinha ido viver em Londres, mas logo voltou para a casa de seus pais pois não conseguiu lidar com a vida na grande cidade. Não conseguiu “fazer acontecer”.
Envergonhado e frustrado, Nick entra numa espiral e sofre de depressão e insônia, e inicia tratamentos psiquiátricos. Mas não melhorava. Apesar dos esforços de sua família feliz e unida (seus pais desde sempre o incentivaram a seguir na música), ele já não se conectava com seu lar, mas também não conseguia sair de lá. Dizia que tudo que havia tentado fazer, fracassou. Ele queria se comunicar com as pessoas, se relacionar com o mundo, mas não podia. E se sentia julgado e cada vez mais, frustrado.
Suas letras falam abertamente dos seus sentimentos. Como na música Hanging On a Star: “Why leave me hanging on a star, when you deem me so high?” (algo que soa como: porque me sinto tão mal, se você me acha tão especial? – perdoem a rima, não resisti), onde questiona por que, mesmo com todos exaltando sua genialidade, ele continuava sem dinheiro, sem “sucesso”.
E assim, sua estrela foi se apagando, e ele foi tornando-se cada vez mais recluso, entregue. Dizem que essa foi a causa de sua morte. Uma noite, precisando descansar, exagerou na dose e, aos 26 anos, virou mito. E, como acontece mais do que deveria, Nick só teve o reconhecimento merecido após sua morte. “Se minha música ajudar uma só pessoa, valeu a pena”, disse à sua mãe. Justo. Costumo dizer a mesma coisa. Aos sábados tenho um ritual: ouvir Saturday Sun. Five Leaves Left continua sendo meu álbum favorito (tenho o vinil, o único dele na minha coleção, por enquanto).
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.