BB King ganha homenagem de guitarristas brasileiros

Nuno Mindelis, André Christovam e Marcos Ottaviano se unem pela primeira vez para tocar apenas músicas de BB; show será no próximo dia 16, no Bourbon Street, em São Paulo

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Foto do author Julio Maria
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BB King chegou pela primeira vez no envelope que trazia um disco e um recado escrito direto do Canadá, a 10.609 quilômetros de distância das terras quentes de Luanda, Angola. Era 1966 quando o pequeno africano Nuno Mindelis colocou o compacto que trazia 'You’re Mean' de um lado e 'So Excited' do outro como quem conecta os dedos em uma tomada de 220 volts. “Presta atenção nesse cara, primo. Ele está dando o que falar”, dizia o remetente. BB King começava a gerar mais um herdeiro.

Show de BB King no Bourbon Street em 2006 Foto: JONNE RORIZ/ESTADÃO

Quinze filhos de quinze mulheres diferentes saíram oficialmente das vontades de BB King, cada um devidamente reconhecido em cartório, mas algo equivalente à população de São Paulo o chama de pai pelo mundo. De alguma forma, quem toca guitarra – e isso vale tanto para o calipso do Pará quanto para as bandas de heavy metal da Islândia – toca um pouco de BB King. Dia 16 próximo, uma quarta-feira, o bluesman que mais tocou pelo planeta faria 90 anos se não tivesse se recusado a acordar na manhã do último 15 de maio. A data vai ser festejada por três importantes guitarristas brasileiros de blues que têm BB King no mapa genético. São eles o próprio Nuno Mindelis, André Christovam e Marcos Ottaviano. Apesar de suas carreiras caminharem em paralelo a partir dos mesmos anos 80 – sobretudo as de Mindelis e de Christovam, Ottaviano vem um pouco depois – eles se reúnem pela primeira vez para um show. A ideia da noite, na qual tocarão no formato banda (baixo, bateria e teclado e as três guitarras), foi da revista especializada Guitar Player. E a casa que cede o espaço é o Bourbon Street, de Moema, inaugurada em 1993 pelo próprio BB King, que voltaria muitas vezes pelas mãos do empresário Edgard Radesca. Os estilos diferentes dos músicos já provam a abrangência de BB King no universo de nuances que é o blues. Nuno, que sairia de Angola ainda menino para viver no Canadá e depois no Brasil, sempre grudado a uma guitarra desde que o primo lhe enviou o compacto de King, tem Chicago nos dedos. Não usa palheta e pensa em fraseados longos, de fôlego e precisão. Seu ataque nas cordas é aliviado por um lirismo de arpejos e uma agilidade suave que também pode ficar agressiva, criando uma linguagem reconhecível na terceira nota. Christovam trabalha com a voz mais empostada, com mais ‘drive’ e alcance, ao contrário do naturalismo de Nuno, e sua guitarra assume um diálogo de frases mais curtas, mas sempre de soluções originais. A quantidade de notas, como ensina BB King, não significa para profundidade do que se diz. Ottaviano, um estudioso do gênero desde 1990, quando lançou sua carreira em São Paulo, é talvez o mais rock and roll dos três, mas com facilidade para mudar de estação diante de outras propostas. Coloca em geral sua Gibson 335 à frente das outras Les Paul e Fender Stratocaster. Não joga notas fora nem faz a farra dos clichês quando parte para improvisos. Tudo ali faz sentido. BB King está nos três. “Antes dele, ninguém tocava vibratos nem bend”, diz Ottaviano. O vibrato é o efeito que se consegue acariciando a corda com pressão e suavidade ao mesmo tempo. É onde vive a alma do solo. Já o bend é a elevação da corda para cima ou para baixo, esticando-a até o limite da tensão antes de trazê-la de volta para a paz reconfortante.  Se BB King inventou os dois recursos, usados por guitarristas de todos os gêneros, criou também a forma de tocar guitarra. “E é o bend o que diferencia a guitarra de qualquer outro instrumento”, diz Ottaviano. “Foi ele quem criou isso”, diz Christovam. “Seu senso de tempo e de melodia e as notas que escolhia não eram nada comuns.” BB King viu os três. Ottaviano, como integrante do extinto Blue Jeans, abriu os shows que ele fez na casa Via Funchal, em 2002. Isso depois de ter testemunhado uma gravação de BB com Celso Blues Boy, morto em 2012, o único brasileiro a ter gravado com o mestre, em 1995. Christovam viveu uma proximidade de 25 anos com BB. Chegou a trabalhar como tour manager durante seus vários shows pelo Brasil. Mindelis também esteve ao lado de BB King por várias vezes. Seu arrependimento é não ter quebrado o protocolo e pedido para tocar com ele em alguma ocasião. Não precisava. Assim que fizer seu próximo vibrato, BB King estará bem ao seu lado.

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