Centro Petrobras põe à disposição do público 12 mil gravações de MPB

Acervo é formado por discos e recortes de jornais doados pelo colecionador Humberto Franceschi e pelo crítico José Ramos Tinhorão, e dará origem a 30 CDs

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Por Agencia Estado
Atualização:

Um dos maiores acervos de música popular brasileira, com gravações que cobrem a primeira metade do século passado, está à disposição do público desde segunda-feira, no Instituto Moreira Salles (IMS) do Rio. Com a coleção de discos 78 rotações do advogado e fotógrafo Humberto Franceschi e de recortes de jornais e discos do crítico e pesquisador José Ramos Tinhorão, foi fundado o Centro Petrobras de Referência da Música Brasileira, resultado da união da estatal, do IMS e da Sarapuí Produções Artísticas, da banqueira Kati de Almeida Braga. O investimento inicial é de R$ 8 milhões. O centro guarda 12 mil fonogramas datados entre 1902 (quando o Brasil era pioneiro em gravações músicais) e 1950 e mais de 200 partituras de choros compostos na belle époque carioca, por pioneiros como Ernesto Nazareth, Luperce Miranda, Luiz Americano e Patápio Silva. Os fonogramas foram reunidos em 30 discos, que devem ser lançados até o fim de junho, em cópias restauradas, de forma a dar a qualidade sonora de hoje. "Serão duas coleções de 15 discos cada. Uma, com o título de Princípios do Choro, terá composições do século 19, gravadas por Maurício Carrilho e Luciana Rabello, da Acari Records. A outra terá sambas feitos a partir da década de 20 e receberá o título de Memórias Musicais", adiantou a cantora Olívia Hime, sócia de Kati na Biscoito Fino. "Ainda não decidimos se os discos serão lançados também separadamente ou só na coleção." Além dos discos, o centro está lançando o livro A Casa Edson e Seu Tempo, em que Franceschi conta os primórdios da indústria fonográfica no Brasil. Fundada em 1902 pelo checo Fred Figner, a gravadora atuou durante 30 anos e lançou os primeiros discos nacionais e - há controvérsias entre os historiadores - os primeiros no mundo de música popular. "Naquela época, só se gravava música erudita", contou o pesquisador Jorge Caldeira, que serviu de intermediário entre as pessoas e instituições que formam o Centro de Referência. "Franceschi queria tornar seu arquivo acessível ao público há muitos anos, por considerá-lo um bem público, mas só há dois anos foi possível dar o pontapé inicial." A coleção de Franceschi começou a se formar na década de 40, quando ele, jovem advogado apaixonado por música brasileira, freqüentava as feiras de disco do centro do Rio. "Lá se encontrava de tudo, por um preço muito baixo, porque as pessoas só valorizam a moda e o sucesso daquele momento eram as big bands americanas e não a música brasileira", conta Franceschi. "Eu gosto é do samba do Estácio (bairro do centro do Rio, onde moravam os primeiros sambistas), feito por gente como Ismael Silva e Bide, e do choro dos primeiros tempos." Ao longo de 30 anos, Franceschi comprou discos antigos e chegou a colecionar 12 mil deles, que agora foram entregues ao Centro de Referência, em regime de comodato e restaurados eletronicamente. "Para torná-los atraentes ao público de hoje em dia, foi preciso submetê-los a processos que tiraram os ruídos, sem alterar a intenção com que foram gravados", explica o engenheiro de áudio Sérgio Nascimento, que coordenou a equipe de restauração. "É claro que as matrizes serão mantidas, até porque esses processos se tornam obsoletos em pouco tempo e logo deve surgir algo que poderá melhorar ainda mais o som dos discos." O Centro de Referência, no entanto, não será mais um selo de gravações históricas. Na sede do IMS, antiga residência do embaixador e banqueiro Walter Moreira Salles, na Gávea, foi montado um banco de dados para atender pesquisadores, que poderão, até mesmo, ouvir as músicas desejadas. A este banco, foi acrescida a coleção de discos mecânicos (8 mil), de elepês (40 mil) e de recortes de jornais do crítico e pesquisador José Ramos Tinhorão, dividida em três séries: Personalidades da Música, Temas de Cultura e Música Popular e Carnaval Carioca. "Vinha reunindo esses jornais desde 1961, mas não tinha mais onde colocá-los e estavam desorganizados", comenta Tinhorão. "Quando descobri o interesse do Instituto Moreira Salles pela música, resolvi doar essa coleção porque eles a organizarão e darão acesso aos pesquisadores." Por enquanto, só os jornais e o banco de dados do Centro de Referência estão digitalizados, mas o plano é colocar no computador também as partituras dos choros que foram gravado pelo selo Acari e colocar tudo na internet. A idéia, a longo prazo, é trazer outros arquivos e coleções para o centro, que vai funcionar para o público de terça a domingo, entre 14 e 18 horas. "O IMS já tem a maior coleção de fotografias do País e provocou um interesse enorme de pesquisadores do Brasil e do exterior sobre o assunto", comenta Jorge Caldeira. "Com o Centro de Referência de Música Popular Brasileira, acredito numa reação idêntica, pois uma solicitação atendida incentiva novo interesse no assunto." Humberto Franceschi, incansável, já tem planos para outros nove livros, a partir da experiência bem-sudedida da história da Casa Edson. "Quero contar como era a música popular brasileira nesses primeiros tempos, em que as gravações eram absolutamente precárias, mas tinham uma qualidade que nos espanta até hoje", sugere. "Gostaria de escrever sobre o choro, o samba do Estácio, a valsa brasileira, a vinda de Stokovski ao Brasil e muitos outros assuntos dos quais as pessoas pouco falam hoje em dia."

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