Os muitos admiradores da descomunal produção de nosso compositor maior, Heitor Villa-Lobos (1887-1959), têm agora uma boa razão para se alegrar. É que a fábrica Movieplay está lançando em edição nacional seis CDs com música do amazônico mestre. Todos pertencem à etiqueta Marco Polo. Cinco deles são dedicados à música sinfônica e um traz música de câmara, em um total de quase sete horas de audição. Um dos discos mais interessantes mostra bem a que grau de invenção foi capaz de chegar o nosso Índio Branco. As três Danças Características Africanas, de 1914, são donas de uma beleza misteriosa e algo impressionista. Já a Dança Frenética, de 1919, que assustou os críticos da época, continua soando muito vigorosa. A bastante curiosa Dança dos Mosquitos, de 1922, resulta humorada com a evocação do inseto sendo feita por flauta e flautim. A obra mais impressionante desse primeiro CD é, sem dúvida, o monumental Rudepoema, sobre o qual o compositor trabalhou entre 1921 e 1926. Conhecido em sua versão para piano, na orquestração este poema rude e selvagem ganha em monumentalidade. Escrito de maneira radical, o Rudepoema é uma das partituras mais intrincadas do autor. Outro CD a merecer atenção é aquele que reúne os Choros de números 8 e 9, datados, respectivamente, de 1925 e 1929. Ambos pertencem à fase parisiense do compositor e esbanjam audácias sonoras. Têm a aparência de grandes afrescos concebidos por um artista fauve, selvagem, de imaginação transbordante, que retira da alma, aqui e ali, bocados de sentimentalidade tropical. Selva e cinema - Dentre as muitas paixões de Villa-Lobos, que incluem o bilhar e as radionovelas, duas se destacam: o seu amor pelas selvas brasileiras e pelo cinematógrafo. Dedicou várias obras à evocação das nossas matas, como as existentes em Erosão (Origem do Rio Amazonas), de 1950, Alvorada na Floresta Tropical, de 1953, e Gênesis, de 1954. Aí ele se revela um extraordinário mestre da orquestração. Estilisticamente, contudo, essas obras parecem ser anteriores ao impactante Amazonas, de 1917. Antes de escrever a linda trilha para o filme hollywoodiano Green Mansions, em meados da década de 1950, Villa-Lobos já se entregara a essa ocupação com gosto. Isso aconteceu em 1937, quando foi-lhe encomendada a música para o filme Descobrimento do Brasil, do mineiro Humberto Mauro. O mestre depois transformou o material em quatro suítes que duram, no total, cerca de 80 minutos. Além de páginas pitorescas e coloridas como Impressão Moura, Adagio Sentimental e Festa nas Selvas, essas suítes trazem partituras de grande efeito - Procissão da Cruz e Primeira Missa no Brasil -, destinadas a enorme aparato vocal-instrumental. Em várias seções de Descobrimento do Brasil, Villa-Lobos sobrepõe com inventividade referências de culturas e épocas diferentes. E elas resultam como feéricos caleidoscópios postos a girar incessantemente. No pólo oposto - Como se sabe, Villa-Lobos compôs o melhor e o menos melhor, para não falar diretamente "o pior". Nessa última categoria está a sua Sinfonia nº 6, de 1944, inspirada no perfil das montanhas brasileiras. A idéia original, entretanto, é realizada de maneira grandiloqüente, além de acadêmica. Um de seus movimentos, o Allegretto, é de assustadora banalidade. Ainda que sua seção lenta sugira com algum encanto a melancolia, a um só tempo suave e rude, do nosso sertão. Nesse mesmo CD está uma das obras mais estapafúrdias do mestre, Rudá `Dio d´Amore´, Poema Sinfônico e Balé, de 1951. Para caracterizar musicalmente os maias, astecas, incas e marajoaras, o compositor emprega um arcaísmo de pacotilha que resulta em puro kitsch. Mesmo esbanjando o seu extraordinário dom melódico, ele aí faz música exótica, no pior sentido. E é assim que a prometida La Vittoria dell´Amore nel Tropico acaba por soar chinesa, de tão pentatônica que é. Como os CDs anteriores, este é bem servido pela Orquestra de Bratislava, comandada pelo valoroso Roberto Duarte. Na intimidade - O primeiro instrumento que Villa-Lobos dominou foi o violoncelo. Escreveu muitos originais e transcreveu para ele várias obras. Defendidas pela ótima violoncelista Rebecca Rust, tendo ao piano o compreensivo David Apter, aparecem aqui Pequena Suíte, Prelúdio nº 2, ambas de 1913, Capricho, op. 49 (1915) e Elegia, op. 87 (1916), todas peças que nos mostram um Villa-Lobos europeizado e pré-nacionalista. Ao lado do pitoresco Assobio a Jato, de 1930, estão transcrições de duas Bachianas - O Trenzinho do Caipira, nº 2, e Ária, da nº 5, que resultam muito bem nessa concepção violoncelo/piano. Completando o disco, o excelente flautista Emmanuel Pahud e o não menos apetrechado fagotista Friedrich Edelmann interpretam a integral de Bachianas Brasileiras nº 6. Todos esses discos estão sendo vendidos ao preço médio de R$ 10,90.