Análise | Festival de Verão de Salvador: entre o choro com Bell Marques e o grito de empolgação com Alok

Nos 40 anos do axé music, a programação do evento se mostra plural para que a mesma pessoa que relembrou um antigo momento ouvindo axé music conheça uma nova emoção com show pirotécnico de um DJ; e esse é o lema dos grandes festivais

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Foto do author Danilo Casaletti
Atualização:

“Cadê o axé?”, foi a pergunta de muitos fãs do gênero baiano que esperavam que a 26ª edição do Festival de Verão de Salvador, que ocorre neste sábado e domingo, 25 e 26, festejasse de maneira mais ostensiva os 40 anos do axé music. O mesmo tem ocorrido nas últimas edições do Rock in Rio, diante de tantas atrações pop. E, como mostrou a edição de 2024, agora, com lugar para o sertanejo. “Cadê o rock?”, questionam os indignados.

Quando o Festival de Verão de Salvador foi criado, a capital baiana ainda não estava na rota das turnês de muitas bandas e artistas brasileiros. Era comum então que, alocados entre as atrações da ‘terra’, uma ou outra banda tivesse seu lugar no palco. De lá para cá, o cenário mudou. Salvador é destino certo para qualquer artista que saia com seu show pelo Brasil.

Daniela Mercury fez o melhor show da primeira noite do festival, que ainda teve Alok e Ana Castela na programação Foto: Fred Pontes/Divulgação

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Ocorre que a música também mudou. E o público agora quer a pluralidade em cima do palco, mesmo que mantenha o sentimento de “por que colocaram esse artista no line-up?”. Além disso, os festivais viraram um grande mercado. Quanto mais estilos em um mesmo evento, mais público. Essa é a receita da sobrevivência. É como se, agora, o pessoal da ‘terra’ é quem tivesse que lutar pelo seu espaço e pela atenção do público, que vai a um festival como quem procura uma playlist repleta de diferentes estilos.

O Festival de Verão de 2025 tem axé. Três artistas são a reserva do movimento, ano após ano, no evento. Ivete Sangalo, o maior nome da música baiana, mostra seu axé pop. Bell Marques, ex-Chiclete com Banana, mantém-se firme no galope, gênero herdado do São João. E, por fim, Léo Santana com seu pagodão baiano, música nascida na periferia.

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Bell Marques é presença garantida no Festival de Verão de Salvador Foto: Victor Mascarenhas

A primeira noite do festival, neste sábado, 25, teve Bell. Ivete e Léo se apresentam neste domingo. Mas o primeiro dia teve também a agroneja Ana Castela, que encantou as crianças, mas fez show apenas correto, sem contar com a empolgação geral do público. Teve Pitty, Natiruts, Só Pra Contrariar e Alcione. A mesma pessoa que se emocionou com as músicas ‘das antigas’ de Bell, dançou ao som de DJ Alok e sua performance pirotécnica (e sonora também).

“Se eu fizesse uma edição só de axé, uns 30 artistas ficariam de fora”, diz Zé Ricardo, diretor geral do Festival de Verão, nos bastidores do evento.

“A Bahia tem muita oferta de shows gratuitos nessa época do ano. Como faço para trazer pessoas para um lugar que elas tenham que pagar pelo ingresso?”, prossegue, Zé Ricardo.

“Depois da pandemia, houve um boom de festivais. Quando você vai a muitos, as parcelas do cartão de crédito se encontram em algum momento. E, aí, você tem que escolher qual você irá. Você vai escolher o que te oferece melhor experiência, não o melhor artista”

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O Dj Alok toca no Festival de Verão de 2025 Foto: Victor Mascarenhas

Mas, e o público, o que deseja? “O povo sabe o que quer, mas também quer o que não sabe”, opina Zé Ricardo. “Não imponho, eu proponho. Festival é entrar nele e sair com algo que você não tinha. Se não for assim, basta ir ao show solo de seu artista preferido”.

Nas palavras de Zé Ricardo está a resposta para os questionamentos sobre a ‘falta’ do axé no Festival de Verão de Salvador. A resposta se mostra mais certa ainda com a casa cheia, mesmo a chiadeira dos descontentes.

No entanto, há algo que ‘experiência’ alguma oferecida pelos festivais pode sufocar: o talento e a verdade dos artistas. A noite de sábado foi de Daniela Mercury, que fez show acompanhada pela Timbalada, banda nascida pelas mãos de Carlinhos Brown, nos anos 1990, com o toque do timbal. Claramente, o melhor show do primeiro dia.

Daniela é uma espécie de guardiã do carnaval cultural da Bahia, do que brotou da mistura do samba reggae e invadiu os trios. Não que Daniela tenha parado no tempo. Afinal, ela representa algo ainda presente na folia baiana, mas, há tempo, ela e a música que ela guarda estão fora dos grandes circuitos, inclusive do carnaval baiano. Daniela tem plena consciência disso. Paga, então, um preço. Preço esse que festival algum está disposto a pagar. O jeito é se equilibrar entre o choro provocado por Bell Marques e o gritinho de empolgação com a psy trance de Alok.

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Análise por Danilo Casaletti

Repórter de Cultura do Estadão

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