Os alto-falantes tocaram Blowin´ in the Wind, de Bob Dylan, com o coro e a orquestra de Ray Conniff. O padre era fã, tinha ido ao último concerto do maestro, no Credicard Hall. Os fiéis sabiam cantar de cor e salteado as grandes versões do arranjador, como My Way e Smoke Gets in Your Eyes. No dia em que faria 86 anos, hoje, o maestro americano Ray Conniff recebeu uma tocante homenagem em São Paulo. Cerca de 70 pessoas, entre elas sua filha, Tamara Conniff, participaram de uma missa em homenagem ao músico, morto no dia 12 de outubro. Ao chegar à Igreja Nossa Senhora do Brasil, no Jardim América,em São Paulo, o empresário brasileiro de Conniff, Manoel Poladian, veterano promotor de espetáculos, anunciou que a orquestra que o trombonista e maestro criou deverá seguir apresentando-se no mundo inteiro, regida por sua filha Tamara. "Meu pai amou esse país, foi como sua outra pátria", disse Tamara. "Esse país lhe transmitiu a paixão, a alegria e o romance, e era sobre isso que a música dele falava, sobre felicidade", afirmou ela, que aprendeu música viajando com Conniff e tornou-se sua mais próxima colaboradora. Em discurso, Poladian lembrou da última apresentação do maestro no Brasil, para mais de 4 mil pessoas, em São Paulo. "Estreamos alguns dias depois da catástrofe com as torres de Nova York. Conniff pediu um minuto de silêncio e abriu a noite com New York, New York, o que deixou ele e a platéia muito emocionados, à beira do choro", contou. "Depois do concerto, ele me chamou e disse: Não, não podemos chorar no meu show. A minha música é para despertar alegria." A missa toda foi ponteada com gravações da orquestra de Ray Conniff. Tocaram duas canções de Roberto Carlos (Amigo e Nossa Senhora), uma de Ary Barroso (Aquarela do Brasil), outra de Gounod (Ave Maria). Segundo Poladian, Conniff descobriu como associar dois instrumentos às vozes dos coros - o trompete com a voz feminina e o trombone com as masculinas - e construiu sua obra em torno dessas associações. "Eu me considero um privilegiado por ter participado da vida desse gênio", afirmou. "Um artista de um preciosismo impressionante, que muitas vezes enlouquecia a todos nós." Segundo Tamara Conniff, o maestro, em 86 anos e 70 de carreira, só amou uma coisa com mais intensidade que sua família: o Brasil. Ela lembrou que ele costumava sair por São Paulo, nos intervalos das apresentações, para conversar com as pessoas nas ruas. "Era um homem simples, que gostava de coisas simples", ela disse. "Vocês perderam um maestro e um amigo, eu perdi um pai", afirmou, muito emocionada. O padre-cantor José Eduardo, escalado para rezar a missa, era "escolado" na música de Ray Conniff. Ele grava discos, como o padre Marcelo, e seu empresário no ramo também é Manoel Poladian. No seu sermão, o padre José Eduardo sugeriu que Conniff deveria estar no céu "regendo o coro dos anjos bem melhor do que foi esse coro até hoje" e também falou sobre sua última experiência numa platéia do maestro. "De costas para a orquestra, ele regia cada um de nós e, ao final, disse: Agora todos vocês podem dizer que já foram do coral de Ray Conniff." Ray Conniff nasceu em 6 de novembro de 1916 em Attleboro, Massachusetts. Seus arranjos, que se tornaram sinônimo de música ambiente, lounge - ou easy listening, como foi batizada mais recentemente -, foram reproduzidos em mais de 90 discos. Foi muito criticado, mas teve uma aceitação popular muito grande, especialmente no Brasil. Ray Conniff costumava se apresentar com uma orquestra de 18 músicos, ao lado de um coral de 8 cantores. Essa combinação, que usou para verter canções de Frank Sinatra a Roberto Carlos, foi seu ovo de Colombo musical. "Ray Conniff amou essa terra, imortalizou essa terra nos seus arranjos. E agora nós estamos nessa Igreja de Nossa Senhora do Brasil prestando uma homenagem a ele", discursou o padre Zé Eduardo.
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