Uma guitarra discreta, à serviço do conjunto - fosse no tempo dos Beatles, fosse depois, nos grupos que eventualmente formou ou dos quais participou. George Harrison, ao contrário dos guitarristas do pop e do rock de sua geração - Jimmy Page, Pete Towshend, Eric Clapton e outros -, jamais se deu a pirotecnias, a solos que evidenciassem habilidade técnica, a efeitos que ajudassem a indústria a vender pedais mirabolantes. Harrison era preocupado com a melodia. Com harmonia de sons, com sons harmoniosos - não são a mesma coisa. Harmonia dos sons que produzia com os produzidos pelos outros músicos; sons harmoniosos que deram à sua guitarra a marca registrada: frases delicadas, redondas, lógicas. Tanto que pareciam simples, embora não fossem nem um pouco simples. A música - lembrando um título seu - deslizava de sua guitarra, suavemente. No entanto, ele tinha nas mãos um instrumento explosivo, de personalidade altissonante. Mas era um músico instrospectivo. Essa característica talvez o tenha levado às meditativas práticas religiosas orientais (no que foi pioneiro, no universo pop). Essa característica, também, fez dele um instrumentista menos notado do que deveria. Harrison parecia saber que trabalhava com dois compositores (e instrumentistas e cantores) geniais, os parceiros Lennon e Mc Cartney; pareceu, sempre, respeitar a obra dos principais compositores do grupo, e esforçar-se para realçar a beleza (ou a estranheza, em muitos casos) do que os dois compunham. Mas seus comentários musicais, à guitarra, eram magistrais. Estabeleceram para o instrumento um uso que só os músicos de jazz mais preciosistas (como Montgomery ou Pass) alcançaram, uma proposição que aproximava a guitarra do papel do piano numa orquestra convencional de música popular. George Harrison não deixou herdeiros. Talvez Mark Knopfler, escocês, ex-Dire Straits, seja quem mais se aproxima daquele uso cuidadoso, em que cada nota vale por si - e em que esse valer por si enobrece o conjunto. Música nobre, a de Sir George.