A Cuba de 1969 tinha um Fidel Castro de barbas negras com a promessa de terras para 200 mil famílias, aluguéis de casa 50% mais baratos, livros didáticos para todos, programa para elevar a colheita da cana-de-açúcar para 10 milhões de toneladas e um homem chamado Juan Formell pensando no que fazer com o seu contrabaixo. Formell viu os camponeses trabalhando com seus facões e pensou que poderia fazer a trilha sonora para aquilo. A revolução socialista carecia de uma revolução musical. O grupo Los Van Van surgiu na inquietação de Formell e se tornou um portal obrigatório, ao lado do Irakerê, de Chucho Valdés, que a música cubana atravessaria para sair do campo e ganhar o salão. Não tão afro e menos jazz que os rapazes de Valdés, os homens de Formell colocaram sons e guarachas para baterem com instrumentos eletrificados, violinos e trombones, e viveram sua própria Baía dos Porcos ao firmar a música que dizia nas entrelinhas não precisar importar nenhuma nota. Formell e seu grupo andaram na contramão de Havana. Se a ilha parou com os velhos Ford 1965, Los Van Van andaram para frente. Seus CDs mais recentes, "Lo Último" e "Chapeando", são melhores que muitas obras dos anos 80 e 90 e sua formação depura o que de melhor se tem entre cantores e instrumentistas de Havana, sempre com o diretor Formell ao contrabaixo. É assim que eles vêm ao Brasil pela terceira vez, 37 anos depois da origem. O show em São Paulo será dia 1.° de novembro, às 22 horas, na Expo Barra Funda, com ingressos que já estão sendo vendidos a R$ 100 pelo site da Ingresso Rápido ou pelo telefone (11) 2163-2000. Formell, em entrevista por telefone, de Havana, fala que pensa em fazer um show com mais tradição do que "revolução" - é a palavra que ele usa. "Haverá canções dos anos 70 e 80, época em que nem tínhamos ainda o trombone. No fim, a intenção será mesmo mostrar um pouco de tudo." Formell explica sua própria "revolução" artística com um conceito intrigante. São os dançarinos que indicam quando uma música deve mudar. "Fazemos música para dançarinos, eles vão pedindo mudanças quando querem bailar de outra maneira. E nós vamos fazendo esta música". Os cubanos também têm sua ala ortodoxa, gente que dorme agarrado ao trés, a viola dos campesinos, e nunca sorri para teclados e baixos elétricos. Formell dá de ombros. "Aqui em Cuba temos muito respeito por cantores como Ibrahim Ferrer, Ruben Gonzalez, Omara Portuondo e Célia Cruz. Respeitamos estas músicas, mas as mudanças são inevitáveis. É como no Brasil. Duvido que vocês tenham a mesma música que tinham nos anos 50." Seus escorregões para fora de qualquer tentativa de diálogo sobre decadência-do-socialismo ou saúde-de-Fidel ao menos não o fazem cair no velho ?faço música, não política?, o mantra que rezam similares como Chucho Valdés e Eliades Ochoa. "Claro que nos preocupa a situação política da Ilha neste momento em que Fidel está doente, mas seguimos fazendo música. Fazemos muitas apresentações em Cuba e terminamos agora uma turnê por todo o país, sempre com um público enorme. Com toda a honestidade? Os cubanos gostam muito de dançar, não importa o que se passa (com Fidel). As mudanças em Cuba não deverão afetar a música cubana." Sua lógica não vale para o que vem de fora. Juan Formell sentiu no próprio orgulho as lâminas da hostilidade cultural que parecem ter ultrapassado os limites do embargo econômico promovido pelos Estados Unidos desde fevereiro de 1962. Por quatro vezes, Los Van Van foram indicados para o Grammy Latino, celebrado em Miami, depois de ganharem um Grammy americano em 1999. Nas quatro vezes, Formell não recebeu visto para entrar nos EUA. Sobre isso, ele fala: "Eu me senti muito mal, não temos nada a ver com política. Espero que um dia isso mude, tanto da parte do governo americano quanto da parte do governo cubano. Os americanos não podem nos colocar como terroristas. Não somos terroristas, somos músicos. Mas o mundo é grande. Tocamos muito na Europa, Japão, Coréia, Austrália, Brasil, México, Panamá. É lamentável que os americanos tenham colocado uma restrição a eles mesmos."