Em 1994, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Gal Costa e Paulinho da Viola participaram de um show no último dia do ano, na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. O motivo da reunião das grandes estrelas da MPB foi um tributo ao maestro Tom Jobim, morto em 8 de dezembro daquele ano. Coisa linda de se ver.
A nota desafinada ficou por conta da disparidade do cachê recebido por todos do primeiro time da MPB: R$ 120 mil. Todos, menos Paulinho da Viola. Ele recebeu R$ 35 mil. Foi um escândalo.
Duas décadas depois do ocorrido, um profissional envolvido com a produção do espetáculo me confidenciou o que houve: cogitavam um show com um elenco considerado “time B” da música brasileira. Paulinho estava entre eles, assim como João Bosco, que não participou da homenagem no fim das contas.

Quando o projeto cresceu, com a chegada de Chico, Caetano, Gil, Milton, Gal e um patrocinador, deixaram Paulinho no lugar destinado para ele inicialmente: o “time B”, com direito a cachê menor do que seus colegas.
O episódio estremeceu a relação entre os artistas. Gal, que cantava Quando Bate Uma Saudade, de Paulinho, na abertura de show O Sorriso do Gato de Alice, jamais cumpriu a promessa de gravar um álbum só com composições do sambista.
Pulamos para 2025. Paulinho da Viola está lançando seu álbum comemorativo de 80 anos: Paulinho da Viola 80 anos - Ao Vivo, pela Som Livre. Os 80 anos do compositor foram comemorados em 2022, ainda em meio à pandemia de covid-19. Quando pôde, Paulinho rodou o País com o show, passou por 15 cidades. Uma grande turnê.
Fosse do “time A”, alguma produtora o teria procurado para um show, talvez em estádio ou arena, ou, ao menos, para um formato especial, de acordo com a demanda de público. Atração de um festival, quem sabe. Nada. Para usar uma expressão comum no meio: “Paulinho não pegou hype”. Em seus discos só encontraram samba e choro. Bem tocados. Só.
Paulinho navega à margem dessas águas revoltas do mercado. No álbum comemorativo que acaba de lançar, faz um passeio por sua carreira. Mistura canções menos conhecidas, como Ele e Nas Ondas da Noite, com os sucessos que acumulou, sobretudo nos anos 1960 e 1970, entre eles, Coisas do Mundo, Minha Nêga, Pecado Capital e Foi Um Rio que Passou em Minha Vida. Já está com outro show na praça: Quando o Samba Chama. Paulinho sempre vai.
Leia também
Na turnê Caetano & Bethânia, os irmãos cantam, lá pelo meio do show, Sei Lá, Mangueira, samba de Paulinho com letra de Hermínio Bello de Carvalho, feito em 1968, lançado em um festival de música por Elza Soares. É o momento silêncio total (e constrangedor) da turnê que une Bethânia e Caetano. Um pecado quase capital um samba desses já estar esquecido pelo grande público.

No mesmo ano de 1968, Caetano fez, a partir de uma provocação da cantora Aracy de Almeida, o samba A Voz do Morto. Aracy, naquela época, queria esculhambar, para usar uma palavra de seu vocabulário, com o esquema dos festivais e com o fato de ser tratada como uma “glória nacional” por ser conhecida como a intérprete de Noel Rosa. “A voz do morto”, portanto.
Diz uma das estrofes da canção de Caetano: “Eu canto com o mundo que roda/ Eu e Paulinho da Viola/ E viva Paulinho da Viola/ Eu canto com o mundo que roda/ Mesmo do lado de fora/ Mesmo que eu não cante agora”.
Paulinho, por mais que muitos não reconheçam, continua a cantar com o mundo que roda. Mesmo que não cante, agora, no estádio da moda, ou que ainda esteja na listinha do “time B” de empresários e programadores. “E viva Paulinho da Viola!”.